Ao longo de
sua bimilenar História, a Igreja caminhou sempre sob o signo da perseguição.
Entretanto, a cada investida das forças adversárias, brilha ela com maior
esplendor.
O sinal dos
verdadeiros discípulos
Conta-se que São Pio X, durante
audiência aos membros de um dos colégios eclesiásticos romanos, perguntou aos
jovens estudantes:
- Quais são as notas distintivas
da verdadeira Igreja de Cristo?
- São quatro, Santo Padre: Una,
Santa, Católica e Apostólica - respondeu um deles.
- Não há mais de quatro? - indagou
o Papa.
- Ela é também Romana: Una, Santa,
Católica, Apostólica e Romana.
- Exatamente, mas não falta
mencionar ainda uma característica das mais evidentes? -- insistiu o Pontífice.
Após um instante de silêncio, ele
próprio respondeu:
- Ela é também perseguida! Esse é
o sinal de sermos verdadeiros discípulos de Jesus Cristo.
Ódio contra Cristo e sua Igreja
A Igreja é perseguida. De fato,
sem essa nota não se entende bem a história da Esposa de Cristo, que já começa
sob esse signo na mais tenra infância do seu Divino Fundador. Que mal poderia
fazer a Herodes aquele Menino, filho de carpinteiro, nascido numa gruta e
deitado numa manjedoura? Nenhum. Mas na ímpia tentativa de tirar-Lhe a vida, o
tetrarca não hesitou
em mandar assassinar crianças inocentes.
em mandar assassinar crianças inocentes.
Ao longo da vida pública de Jesus,
o ódio contra Ele não fez senão crescer, e chegou ao paroxismo quando os
fariseus tomaram a decisão de matá-Lo e obtiveram de Pilatos a iníqua sentença de
condenação. De tal forma detestavam o Divino Mestre, que não toleravam sequer
vê-Lo fazer o bem, ou ensinar a doutrina da Salvação.
Nessa mesma inimizade encontra-se
a fonte das investidas sofridas pela Igreja após a subida de Nosso Senhor ao
Céu. Assim, foi movido por ódio furibundo contra os cristãos que Nero deu
início, no ano 64, à sangrenta perseguição que haveria de durar, com
intermitências, até 313, quando o Imperador Constantino concedeu liberdade à
Igreja, pelo Edito de Milão.
E ao longo dos séculos
subsequentes, a Esposa de Cristo nunca deixou de enfrentar os mais variados
ataques - por vezes cruentos - e incessantes oposições, ora abertas, ora
solapadas. Mesmo em nossos dias, este ódio contra aqueles que praticam o bem
não deixa de se manifestar em seus múltiplos aspectos.
Os maus não suportam os bons
"Se o mundo vos odeia, sabei
que primeiro Me odiou a Mim. Lembrai-vos da palavra que Eu vos disse: ‘O servo
não é maior que seu Senhor'. Se Me perseguiram a Mim, também a vós vos
perseguirão" (Jo 15, 18.20). Por estas palavras de Jesus, vemos serem a
adversidade e a incompreensão inerentes à existência terrena do verdadeiro
fiel, pela irreversível incompatibilidade entre a doutrina do mundo e a de
Cristo. Pois, desde o tempo dos nossos primeiros pais, há entre a bendita
posteridade de Maria Santíssima e a raça da serpente maldita o irreconciliável
antagonismo descrito pelo Gênesis: "Porei inimizades entre ti e a mulher,
entre a tua descendência e a dela. Esta te ferirá a cabeça e tu lhe ferirás o
calcanhar" (Gn 3, 15).
Os maus não suportam os bons, e
para estes, o ódio daqueles indica eleição por parte de Deus, conforme se
depreende destas palavras de São Jerônimo a Santo Agostinho: "Sois
celebrado por todo o mundo. Os católicos veneram e reconhecem em vós o
restaurador da antiga Fé, e - o que é sinal de glória ainda maior - todos os
hereges vos detestam e perseguem com o mesmo ódio que a mim, anelando matar-nos
com o desejo, já que não podem fazê-lo com as armas". É na fidelidade dos
justos diante das perseguições que reluz de modo especial a glória de Deus.
Ao anunciar aos Apóstolos as perseguições e
sofrimentos que haveriam de enfrentar, Nosso Senhor tinha em vista também
instruir os cristãos de todos os tempos, porque inúmeras vezes ao longo da
História a proclamação do nome de Jesus Cristo lhes trará como consequência
serem injustamente presos, perseguidos ou conduzidos aos tribunais. E isto
chegará ao auge nos últimos tempos, pois quanto maior for a decadência moral da
humanidade, inelutavelmente mais ódio haverá contra os justos, cuja mera
existência já representa muda censura aos maus.
Bem pondera São Gregório Magno: "A última
tribulação será precedida de muitas outras, porque devem vir antes muitos males
que possam anunciar o mal sem fim".
Testemunhas da fé na hora da provação
Errôneo seria pensar que durante as perseguições
cabe aos bons ficarem encolhidos e timoratos, incapazes de qualquer ação. Pelo
contrário, dão-lhes elas ensejo a testemunharem com coragem a boa doutrina
diante daqueles que se desviaram do caminho certo.
Ao afirmar que as portas do inferno não
prevalecerão contra a sua Igreja (cf. Mt 16, 18), estabeleceu o Divino Fundador
que ela será não apenas invencível, mas sempre triunfante. Assim, por mais que
os infernos, não podendo destruí-la, se organizem para sufocá-la, jamais
conseguirão impedir sua atuação. E, sejam quais forem as aparências, a Luz de
Cristo permanecerá em sua Esposa com todo o seu poder e grandeza, aguardando o
momento de manifestar-se de forma intensa, majestosa e irresistível.
Nessas horas de tempestade, suscita a Providência
testemunhas da fé que sejam fachos da Luz de Cristo a rasgar a obscuridade da
provação. Muitas vezes, inclusive, Deus Se utiliza de instrumentos frágeis, de
modo a deixar mais patente sua onipotência: Gedeão, último homem da tribo de
Manassés; Judite, piedosa viúva; e os próprios Apóstolos, simples pescadores.
E, se percorrermos as grandes aparições da Virgem Maria, desde Guadalupe até
Fátima, a quem vemos como receptores da mensagem, senão pessoas de escassa
cultura e predicados?
Quanto aos acontecimentos do fim do mundo, serão
justamente a firmeza na fé e a força impetratória dos fiéis, perante o ódio
insaciável dos sequazes do anticristo, que atrairão a intervenção divina,
desencadeando o castigo final.
Deus é o principal Ator da História
Julgamos, por vezes, serem raríssimas as
intervenções de Deus nos acontecimentos terrenos. Como se Ele, após criar o
universo, deixasse os fatos correrem por si, procedendo de forma semelhante a
alguém que planta uma árvore e se despreocupa totalmente do seu crescimento.
Nada mais contrário à realidade. Deus não só age na História, mas, sobretudo, é
seu principal Ator. Tudo está em suas santíssimas mãos, nada foge ao seu
governo: "Em Deus vivemos, nos movemos, e somos" (At 17, 28).
Às vezes, a ação da Divina Providência nos fatos
concretos é visível aos olhos de todos, por ser desígnio seu torná-la patente.
Porém, na maior parte das ocasiões, Ela opera de forma oculta ou discreta,
deixando por conta do nosso entendimento e da nossa fé discernir o cunho de sua
atuação.
O Criador tem tudo contado, pesado e medido. E, ao
agir sobre os acontecimentos, tem sempre em vista, junto com a própria glória,
a salvação dos que são seus. Por isso, afirma São Paulo: "Tudo quanto
acontece, concorre para benefício dos justos" (Rm 8, 28).
Cada um dos nossos atos, gestos ou atitudes serão
consignados no Livro da Vida. Nenhum ato de virtude ficará sem recompensa,
conforme afirma São Beda: "Não cairá um só fio de cabelo da cabeça dos
discípulos do Senhor, porque não somente as grandes ações e as palavras dos santos,
mas também o menor de seus pensamentos será dignamente premiado".
Esperança na vida verdadeira
Todos nós, como os Apóstolos, estamos sujeitos a
passar por situações difíceis em razão de nossa fidelidade a Cristo. Como
devemos nos comportar diante delas?
Antes de tudo, precisamos crer firmemente na
onipotência de Nosso Senhor e ter bem presente seu amor por cada um de nós,
conforme nos exorta Santo Agostinho: "Essa é a Fé cristã, católica e apostólica.
Confiai em Cristo que diz: ‘não cairá sequer um fio de vossos cabelos', e, uma
vez eliminada a incredulidade, considerai o quanto valeis. Quem de nós pode ser
desprezado por nosso Redentor, se nem sequer um fio de cabelo o será? Ou: como
duvidaremos de que dará a vida inteira à nossa carne e à nossa alma Aquele que,
por amor a nós, recebeu alma e carne na qual morreu, e a recobrou para que desaparecesse
o temor de morrer?".
Mas também não podemos duvidar de que Jesus Se
encarnou para nos fazer partícipes de sua ressurreição: "Se Cristo não
ressuscitou, vossa fé é vã" (I Cor 15, 17), proclama São Paulo.
Uma vez compenetrados de estarmos de passagem nesta
Terra, a caminho da eternidade, todos os males que possamos sofrer tomam outra
dimensão. "Quem sabe que é um peregrino neste mundo, independentemente do
local onde se encontre corporalmente; quem sabe que tem uma pátria eterna no
Céu; quem tem certeza de que ali se encontra a região da vida feliz, a qual
aqui é lícito desejar, mas não é possível ter, e arde nesse desejo tão bom,
santo e casto - esse vive aqui pacientemente".
É permanecendo firmes na Fé que ganharemos a
verdadeira vida; é só na perspectiva da glória eterna que teremos forças para
perseverar na hora das provações. E isto não depende tanto do nosso esforço
quanto da graça divina, que devemos pedir sem cessar.
Proclamar a beleza triunfante da Igreja
O filósofo iluminista François-Marie Arouet, mais
conhecido pelo pseudônimo de Voltaire, foi um dos mais festejados ímpios de
todos os tempos. Seu ódio contra a Igreja o levou a afirmar: "Estou
cansado de ouvir dizer que bastaram doze homens para implantar o Cristianismo
no mundo, e quero provar que basta um para destruí-lo". Mas, o atrevido
ateu morreu e a ridícula ameaça caiu no vazio.
Não menos arrogante com a Esposa de Cristo foi
Napoleão Bonaparte. Após ser excomungado pelo Papa Pio VII, teve a petulância
de perguntar sarcasticamente ao legado papal, Cardeal Caprara, se por causa
disso iriam cair as armas das mãos dos seus soldados. Ora, segundo narram
testemunhas oculares, entre as quais o Conde de Ségur, foi o que aconteceu
durante a campanha da Rússia: "As armas dos soldados pareciam ser de um
peso insuportável para seus braços intumescidos; em suas frequentes quedas,
escapavam-lhes das mãos, quebravam-se ou perdiam-se na neve".
Meses depois, Bonaparte viu-se obrigado a assinar o
decreto de sua própria destituição no palácio de Fontainebleau, onde mantivera
cativo o Vigário de Cristo, e partiu para o exílio. Pio VII, entretanto, a quem
ele chamara despectivamente de "velho", ainda haveria de reinar por
quase uma década, sobrevivendo por dois anos ao prisioneiro da Ilha de Santa
Helena. E, assim, poderíamos multiplicar os exemplos mostrando "ser uma
característica da Igreja vencer quando atacada, ser melhor compreendida quando
contestada e ganhar terreno quando abandonada", segundo ensina Santo Hilário
de Poitiers. Ao que o padre Monsabré acrescenta: "muitas vezes, no curso
da Era Cristã, pôde-se ver o Corpo Místico do Filho de Deus a ponto de perecer,
muitas vezes pôde-se vê-lo recobrar vida e avançar com passo resoluto rumo aos
dias da eternidade".
Os períodos de perseguição nos convidam a depositar
uma fé inquebrantável em Cristo e em sua Igreja, mas também a amá-Los de um
modo todo especial. "Em tempo de grandes prevaricações", afirma o
Cardeal Gomá, "até os bons se tornam tíbios. Contudo, em meio às defecções
e tibiezas, perseverarão os fortes, os que guardarem a fé e os bons costumes
cristãos. Estes se salvarão: "Quem perseverar até o fim, será salvo"
(Mt 24, 13). Sendo constantes, obtereis a salvação".
Ao nos situar diante de uma grandiosa perspectiva
escatológica, o Evangelho deste domingo nos incita a proclamar a beleza
triunfante da Santa Igreja, na confiança plena de que quem permanecer
filialmente no seu seio obterá como prêmio o próprio Deus!
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