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sexta-feira, 23 de março de 2012

A Sagrada Eucaristia


Eucaristia. Na crise de fé que estamos vivendo, o ponto neurálgico é, cada vez mais, a reta celebração e a reta compreensão da Eucaristia.
Todos nós sabemos qual é a diferença entre uma igreja onde se reza e uma igreja reduzida a um museu. Hoje corremos o risco do que as nossas igrejas se convertam em museus e acabem como os museus: se não fecharem, serão espoliados. Não têm vida. A medida da vitalidade de uma igreja, a medida da sua abertura interior, mostrar-se-á pelo fato de as suas portas poderem permanecer abertas, precisamente por ser uma igreja onde se reza continuamente.
Orar diante da Eucaristia.  "Também posso rezar no bosque, mergulhado na natureza". É claro que se pode. Mas se só se pudesse rezar assim, a iniciativa da oração estaria totalmente dentro de nós: Deus seria pouco mais do que um postulado do nosso pensamento. Que Ele responda ou queira responder, permaneceria  uma questão em aberto. Em contrapartida, a Eucaristia significa:  Deus respondeu. A Eucaristia é Deus como resposta, como presença que responde. Agora, a iniciativa da relação divino-humana já não depende de nós, mas dEle, e assim se  torna verdadeiramente séria.  Por isso, a oração atinge um nível inteiramente novo no âmbito da adoração eucarística; só agora envolve as duas partes, só agora é séria. Mais ainda, não envolve apenas as duas partes, mas só agora se torna plenamente universal: quando rezamos na presença da Eucaristia, nunca estamos sós. Conosco reza toda a Igreja que celebra a Eucaristia. Nessa oração, já não estamos diante de um Deus pensado, mas diante de um Deus que verdadeiramente se entregou a nós; diante de um Deus que se fez comunhão conosco, e assim nos liberta dos nossos limites e nos conduz à Ressurreição. Esta é a oração que devemos voltar a buscar.
Culto eucarístico. O culto é tomar consciência da queda [do pecado original], é, por assim dizer, o instante do arrependimento do filho pródigo, o voltar-o-olhar-para-a-origem. Na medida em que, segundo muitas filosofias, o conhecimento e o ser coincidem, o fato de se voltar o olhar para o Princípio constitui também, e ao mesmo tempo, uma nova ascensão para Ele.
Desde [o momento em que tiveram lugar] a Cruz e a Ressurreição de Jesus, a Eucaristia é o ponto de encontro de todas as linhas da Antiga Aliança, e até da História das religiões em geral: o culto verdadeiro, sempre esperado e que sempre supera as possibilidades humanas, a adoração em espírito e verdade.
Que ninguém diga agora: a Eucaristia existe para ser comida, não para ser adorada. Como sublinham uma e outra vez as tradições mais antigas, não é de forma alguma um pão corrente. Comê-la é um processo espiritual que abarca toda a realidade humana. Comer Cristo significa adorar a Cristo. Comê-lo significa deixá-lo entrar em mim de modo que o meu "eu" seja transformado e se abra ao grande "nós", de maneira que cheguemos a ser um só com Ele. Desta forma, a adoração não se opõe à comunhão nem se situa paralelamente a ela. A comunhão só atinge toda a sua profundidade se estiver sustentada e compreendida pela adoração. A presença eucarística no tabernáculo não cria outro conceito da Eucaristia paralelo ou oposto à celebração eucarística, antes constitui a sua plena realização.
Eucaristia e sacrifício.  A Eucaristia é sacrifício. Ao ouvirmos esta frase, experimentamos resistência no nosso íntimo. Levanta-se a pergunta: Quando falamos de sacrifício, não estaremos formando uma imagem indigna, ou pelo menos ingênua, de Deus? Não acabaremos pensando que nós, os homens, podemos e até devemos dar algo a Deus? A Eucaristia responde precisamente a essas questões. A primeira coisa que nos diz é que Deus se entrega a nós para que nós possamos, por nossa vez, dar-nos a Ele. No sacrifício de Jesus Cristo, a iniciativa vem de Deus. No começo, foi Ele quem se abaixou primeiro. Cristo não é uma oferenda que nós, os homens, apresentamos a um Deus irritado; pelo contrário, o facto de Ele estar aqui, de viver, sofrer e amar, já é obra do amor de Deus. É o amor misericordioso de Deus que se abaixa até nós; é o Senhor quem se faz a si mesmo servo por nós. Embora sejamos nós que causamos o conflito, e embora o culpado não seja Deus, mas nós, é Ele quem vem ao nosso encontro e quem, em Cristo, pede a reconciliação.
Quanto mais andamos com Ele, mais conscientes nos tornamos de que o Deus que parece atormentar-nos é na verdade o único que nos ama realmente e o único a quem podemos abandonar-nos sem resistência nem medo. Quanto mais penetramos na noite desse mistério incompreendido, mais confiamos nEle, mais o encontramos, mais descobrimos o amor e a liberdade que nos sustentam em todas as outras noites. Deus dá para que nós possamos dar: esta é a essência do sacrifício eucarístico, do sacrifício de Jesus Cristo.

(Excertos dos livros Il Dio Vicino e Introdução ao Espírito da Liturgia de Joseph Ratzinger)

domingo, 11 de março de 2012

O diabo realmente existe?


Os cristãos reconhecem, desde sempre, a existência de um ser maligno – ou vários seres malignos – de natureza angélica, cuja atuação se dirige a afastar o homem de Deus, submetendo-o às forças do mal, por meio da tentação. De fato, Cristo se fez homem e morreu na cruz para libertar o homem desse estado de sofrimento em que se encontrava devido ao pecado original. A existência do demônio faz parte, portanto, da verdade revelada.
No entanto, a crença cristã é muito diferente da de outras religiões: não existe um “deus do mal”, oposto ao Deus do bem. Ao contrário, segundo a teologia católica de São Tomás de Aquino, o mal não existe em si mesmo, mas como ausência de bem, como rejeição do amor de Deus. Segundo a doutrina cristã, o demônio pode incitar o homem ao mal, mas não pode tirar sua liberdade; não tem poder sobre a sua alma se o homem não lhe conceder isso.
O demônio é um anjo criado por Deus – na tradição cristã, recebe os nomes de Satanás ou Lúcifer – que usou a sua liberdade para opor-se ao amor divino. Deus permite a sua existência e a sua rebeldia, mas o demônio está submetido ao seu Criador, como as demais potências angélicas. Esta é uma das razões pelas quais a teologia cristã não se preocupou muito com o demônio em si, mas com como Cristo conseguiu a vitória sobre ele e como combater o seu poder na vida cristã.
O Antigo Testamento considera os anjos e os demônios como criaturas de Deus, Criador de tudo o que é visível e invisível. Mas os textos que falam de Satanás no Antigo Testamento são muito raros. É depois do exílio da Babilônia que se nota uma evolução: o mal entre os homens vem de Satanás (“satan”, em hebraico, significa “adversário”), devido ao pecado de Adão (Gn 3), quando, “pela inveja da serpente, a morte entrou no mundo” (Sb 2, 24). Satanás é o tentador, o acusador, o adversário de Deus (Zc 3, 1-7, Jó 1, 11). Quase dois séculos antes de Cristo, a comunidade monástica de Qumram, às margens do Mar Morto, elaborou uma demonologia estruturada.
Mas é nos quatro Evangelhos que a presença de Satanás adquire uma densidade particular: é um adversário real, inimigo de Cristo e do seu Reino. Jesus se dirige a Satanás, sem dúvida alguma, para repreendê-lo e fala dele como de “alguém”. São conhecidas as passagens das tentações no deserto (Mt 4, 1-11) e dos numerosos exorcismos que Jesus realizou (Cafarnaum: Mc 1, 23-28; Gerasa: Mt 8, 28-34; a filha da cananeia: Mc 7, 25-29 – entre outros). Os escritos apostólicos e o Apocalipse recolhem esta vitória de Cristo, que se consumará no final dos tempos.
O Magistério e a Tradição da Igreja, tanto no ensinamento como na liturgia, abordaram sempre esta verdade. O Catecismo da Igreja Católica fala do demônio cerca de 40 vezes. Também a vida de muitos santos, que tiveram experiência direta de luta contra o demônio, constitui um testemunho sobre a sua existência.
Por que Deus, se é bom, todo-poderoso e detesta o mal, permite que os demônios ajam e tenham poder sobre o homem? É um grande mistério, o “mysterium iniquitatis”. Deus criou o homem – e os anjos – por amor e deseja que o homem o ame em troca. Mas não existe amor sem liberdade, razão pela qual Deus dá espaço ao homem para que este escolha amá-lo. Só Deus possui uma liberdade perfeita, incapaz de escolher o mal. O homem e os anjos podem rejeitar esse amor.
Por que Deus não destruiu os anjos caídos? Há duas razões: a primeira é que Deus respeita essa liberdade que Ele mesmo oferece; a segunda é que, de alguma maneira, Deus se serve também deles para realizar seus desígnios. Santo Agostinho afirma que Deus não permitiria o mal se não fosse para tirar dele um bem maior. De fato, é o que acontece com a história da redenção, na qual o mal é finalmente vencido pelo bem. Deus redimiu o mundo do pecado, mas sem deixar de respeitar a liberdade do homem, que pode acolher ou rejeitar esta redenção.
Os cristãos acreditam que a vitória definitiva do bem e a destruição definitiva do mal se darão no final dos tempos. Enquanto isso, o tempo em que vivemos se caracteriza por esta luta entre o bem e o mal. A vida dos santos testemunha esta luta, às vezes face a face, com os demônios.
O demônio age de forma cotidiana na vida de cada pessoa, mediante a tentação e a sedução, para incliná-la a cometer o mal. Esta ação pode ser combatida mediante a oração e a prática das virtudes, com o auxílio dos sacramentos. A Igreja afirma que o homem não está condicionado absolutamente pela tendência ao mal, mas que pode combatê-lo com a ajuda da graça.
O demônio também pode se manifestar de forma extraordinária, mediante a possessão, a infestação, o assédio, a obsessão etc. Trata-se de fenômenos muito raros, nos quais Satanás chega a possuir o corpo – não a alma – de uma pessoa. A Igreja combate este fenômeno por meio do ritual do exorcismo, realizado por sacerdotes designados especificamente para isso por seu bispo.
No entanto, são poucos os casos de verdadeira possessão. Antes da prática do exorcismo, são realizados todos os tipos de exames médicos e psiquiátricos, para descartar a possibilidade de distúrbios psicológicos. Muitas das pessoas que sofrem de possessão diabólica realizaram práticas nigromânticas ou satânicas. Muito excepcionalmente, alguns santos experimentaram esta dura provação.
Há cada vez mais adolescentes afetados pelo fenômeno do satanismo, que se tornou uma “moda” transgressora. O Pe. Benoît Domergue, especialista nestes fenômenos, afirma que atualmente, na França, existem aproximadamente 50 associações, que agrupam cerca de 5 mil indivíduos. O satanismo é tão preocupante, que as autoridades francesas se envolveram. Em 2006, a (Mission interministérielle de vigilance et de lutte contre les dérives sectaires) publicou um pequeno relatório sobre o satanismo, no qual alertava sobre este tipo de grupos.
Na Espanha, segundo um relatório elaborado em 2010 pela Red Iberoamericana para el Estudio de las Sectas(RIES), o número das seitas satânicas no país aumentou na última década, passando de 41, em 2001, a 61, em 2010. Estes grupos estariam relacionados a episódios de profanações e roubos sacrílegos em igrejas. Certos tipos de música metal (black metal, death metal, neometal) também constituem uma porta de entrada privilegiada para o satanismo. Este universo se torna ainda mais nebuloso por ser formado por muitos pequenos grupos, inexistentes do ponto de vista jurídico ou associativo.
Em países como a Colômbia, segundo denunciam alguns especialistas, o satanismo se vincula ao tráfico de drogas, como uma prática para “garantir” o êxito dessa atividade criminal, e também como forma de submetimento social. Outro caminho para a prática do satanismo é a bruxaria e a necromancia. Além do satanismo, existe outro tipo de seitas, chamadas “luciferinas”, que, sem chegar ao extremos do satanismo, promovem uma reinterpretação da queda do homem, invertendo os termos: Deus é o ser mau e Satanás e o ser bom que se rebela contra Ele.

sábado, 10 de março de 2012

Batismo de crianças

Em tempos de Quaresma vamos falar um pouco do sacramento essencial para nossa salvação, o Batismo. Exploramos aqui a eterna (pelo menos é o que parece) controvérsia: Batizar ou não as Crianças?


Muitos desejariam adiar o Batismo para a idade madura dos candidatos, pois dos que são batizados na infância, muitos não assumem as obrigações decorrentes do sacramento. Em 1980, então, a Igreja publicou uma Instrução sobre o Batismo das Crianças. Vejamos seu conteúdo.

A Bíblia não se refere explicitamente ao Batismo de crianças, mas narra que vários personagens se fizeram batizar "com toda sua casa". A expressão "casa" designava o pai de família com todos os seus, inclusive as crianças.
No século II, aparecem os primeiros testemunhos diretos do Batismo de crianças, nenhum deles o apresenta como inovação. Santo Ireneu de Lião (+ 202) considera óbvia, entre os batizados, a presença de "crianças e pequeninos" ao lado dos jovens e adultos (Contra as Heresias II-24,4). São Cipriano de Cartago (+ 258) dispôs que se podiam batizar as crianças "já a partir do segundo ou terceiro dia após o nascimento" (Epístola 64). Esta prática foi reafirmada nos concílios de Cartago (418) e de Trento (1547).
O Catecismo da Igreja, parágrafo 1250, afirma que "a gratuidade pura da graça da salvação é particularmente manifesta no Batismo das crianças."
A razão teológica da prática do Batismo de crianças é a seguinte: o sacramento não é mera matrícula numa associação, mas é um renascer, um receber a vida nova dos filhos de Deus, que tem pleno sentido mesmo que a criança ignore o que lhe acontece; esse renascer para a vida eterna é que dá pleno sentido ao primeiro nascimento (a partir dos pais), pois torna a criança herdeira do Sumo Bem.
O fato de que as crianças ainda não podem professar a fé pessoalmente não é obstáculo, pois a Igreja batiza os pequeninos na fé da própria Igreja, isto é, professando a fé em nome dos pequeninos. Esta doutrina se acha expressa no Ritual do Batismo, quando o celebrante pede aos pais e padrinhos que professem "a fé da Igreja, na qual as crianças são batizadas".
A Igreja só não batiza as crianças quando os pais não o querem ou quando não há garantia alguma de que o batizado será educado na fé católica. Mesmo quando os pais não vivem como bons católicos, a Igreja julga que a criança tem o direito de ser batizada, desde que os próprios pais ou padrinhos ou a comunidade paroquial lhe ministrem a instrução religiosa. Assim, os pais católicos que não vivem o matrimônio sacramental tem o dever de mandar batizar os filhos e providenciar a sua educação religiosa.
É comum levantar-se a seguinte questão: o Batismo das crianças constitui um atentado à liberdade das mesmas; impõe-lhes obrigações religiosas que talvez não queiram aceitar em idade juvenil. Respondemos:

No plano natural, os pais fazem, em lugar de seus filhos, opções indispensáveis ao futuro destes: o regime de alimentação, a higiene, a educação, a escola... Os pais que se omitissem a tal propósito sob o pretexto de salvaguardar a liberdade da criança, prejudicariam seriamente a prole. Ora, a regeneração batismal vem a ser o bem por excelência que os pais católicos devem proporcionar aos filhos.

Mesmo que a criança, chegando a adolescência, rejeite os deveres do Batismo, o mal é então menor do que a omissão do sacramento. Com efeito, o fato de alguém rejeitar a boa educação que recebeu, é dano menos grave do que a omissão de educação por parte dos pais. Além do mais, os gérmens da fé depositados na alma da criança poderão um dia reviver.
Caso não seja possível batizar, a Igreja confia a criança falecida ao amor de Deus, que é Pai e fonte de misericórdia. A doutrina do limbo não constitui artigo de fé, de modo que se pode crer que Deus tem recursos invisíveis para salvar todas as crianças, mesmo as que morrem sem Batismo. Isto, porém, não exime os pais do grave dever de levar, quanto antes, os seus filhos à pia batismal, pois, se os sacramentos não obrigam a Deus, obrigam a nós, criaturas.

sexta-feira, 2 de março de 2012

"Companhia sempre em reforma",conferência do então Cardeal Ratzinger sobre a "reforma" da Igreja.


Encontro com o Cardeal Ratzinger no Meeting Rimini em 01.09.1990. Ao lado, o vídeo da conferência em italiano. Agradecemos ao nosso querido amigo e irmão Sm.Gabriel Vital pela tradução do texto.

A insatisfação em relação à Igreja
Não há necessidade de muita imaginação para adivinhar que a companhia, que quero falar aqui, é a Igreja. Talvez foi evitado mencionar no título o termo “Igreja” somente porque este provoca espontaneamente, na maior parte dos homens de hoje, reações de defesa.
Eles pensam: “Sobre a Igreja, já ouvimos falar tanto e não se tratou nada de agradável.” A palavra e a realidade de Igreja caíram em descredito. E por isso também uma semelhante reforma não parece poder mudar alguma coisa. Ou talvez o problema até agora não foi descoberto, então qual tipo de reforma se poderia fazer da Igreja uma companhia que valha realmente a pena de ser vivida? 
Mas, nos questionemos antes de tudo: por que a Igreja consegue desagradar a tantas pessoas, e também aos fiéis, a pessoas que até ontem podiam ser contadas entre as mais fiéis ou que, mesmo entre os sofrimentos, são de qualquer maneira ainda hoje? Os motivos são entre eles muito diferentes, opostos, segundo os posicionamentos. Alguns sofrem porque a Igreja se adaptou muito aos parametros do mundo de hoje; outros estão insatisfeitos porque ainda permanece muito estranha.
Para a maior parte das pessoas o descontentamento em relação a Igreja começa com o fato que esta é uma instituição como tantas outras, e que como tal se limita à minha liberdade. A sede de liberdade e a forma que hoje se expressam o desejo de libertação e a percepção de não ser livres, de ser alienados.
A invocação de liberdade aspira por uma existência que não se limita àquilo que já foi dado e que me impede em meu pleno desenvolvimento, apresentando – me desde fora o caminho que eu deveria percorrer. Mas, em todas partes vamos a bater contra barreiras e “bloqueios de estrada” (batidas da polícia, blitz) deste gênero, que nos param, nos impedem de ir além. Os obstáculos, que a Igreja levanta, se apresentam então, como duplamente pesados, pois penetram até a esfera mais pessoal e íntima. As normas de vida da Igreja são de fato, mais do que uma espécie de regras de trânsito, a fim de que, a convivência humana evite, quanto mais possível for, os conflitos. Esses pertencem ao meu caminho interior, e me dissem como devo compreender e configurar a minha liberdade. Esses exigem de mim decisões, que não podem ser tomadas sem a dor da renúncia. Porventura, pode ser negado a nós os frutos mais belos do jardim da vida?
Não é talvez verdade que com a limitação de tantos mandamentos e proibições nos vem bloqueada a estrada de um horizonte aberto? E o pensamento, não é talvez obstacularizado na sua grandeza, como também a vontade? Não se deve talvez a libertação ser necessariamente a saída de uma semelhante tutela espiritual? E a única verdadeira reforma não seria talvez aquela de afastar tudo isso? Mas agora, o que sobra ainda dessa companhia?
A amargura contra a Igreja tem porém também um motivo específico. Realmente, em meio ao mundo governado por uma dura disciplina e por inflexíveis proibições se levanta contra a Igreja ainda e sempre uma silenciosa esperança: esta poderia representar em tudo isso como uma pequena ilha de vida melhor, um pequeno oásis de liberdade, no qual de vez em quando se possa retirar –se.
A ira contra a Igreja ou a decepção em relação à ela têm por isso um caráter particular, pois silenciosamente se espera dela, algo a mais que em outras instituições mundanas. Nela se deveria realizar o sonho de um mundo melhor. Quanto menos se desejaria saborear dela o gosto da liberdade, de ser livres: aquele “sair fora” da caverna, de qual fala Gregório Magno, voltando a Platão.
Contudo, no momento em que a Igreja no seu aspecto concreto se é de tal maneira distanciado de semelhantes sonhos, assumindo também essa o sabor de uma instituição e de tudo aquilo que é humano, contra ela se levanta uma cólera particularmente amarga. E essa cólera não pode acabar. Mesmo porque não se pode extinguir aquele sonho que nos tinha voltado com esperança em relação à ela. Se a Igreja não é assim como nos parece nos sonhos, se procura desesperadamente de fazê – la como se gostaria de fazer: um lugar no qual se possa expressar todas as liberdades, um espaço onde sejam abatidos os nossos limites, onde se experimenta aquela utopia, que deverá estar em algum lugar. Como no campo da ação política se gostaria finalmente construir um mundo melhor, assim, se pensa, se deveria finalmente (quiça como primeira etapa na direção disto) colocar na Igreja melhor também: uma Igreja cheia de humanidade, cheia de sentido fraterno, de generosa criatividade, uma morada de reconciliação de tudo e de todos.

Reforma inútil

Mas de que maneira deveria acontecer isto? Como se pode conseguir uma semelhante reforma? Então devemos começar, se diz. Se diz frequentemente com a ingênua presunção do iluminado, o qual é convicto que as gerações até agora não tenham compreendido bem a questão. Ou que foram muito medrosas e pouco iluminidas; nós porém temos finalmente ao mesmo tempo seja a coragem que a inteligência. Por quanta resistência podem opor – se os subversivos e os “fundamentalistas” à esta nobre iniciativa, esta deve ser colocada em ação. Ao menos há uma receita satisfatória iluminante para o primeiro passo.
A Igreja não é uma democracia. Quando surge esta não há ainda integrado na sua constituição interna aquele patrimônio de direitos da liberdade que o Iluminismo elaborou e que a partir de então foi reconhecida como regra fundamental das formações sociais políticas. Assim parece a coisa mais normal do mundo recuperar uma “boa vez” quanto era descuidado e começar a construir este patrimônio fundamental de estruturas de liberdade.
O caminho conduz – como se diz – de uma Igreja paternalista e distribuidora de bens a uma Igreja comunidade. Se diz que ninguém mais deveria permanecer passivo receptor dos dons que fazem ser cristão. Todos devem ao invés transformar – se ativos operadores da vida cristã.
A Igreja não deve mais “descer aos poucos” do alto. Não! Somos nós que “fazemos” a Igreja, e a fazemos sempre nova.
Assim esta se transformará finalmente a “nossa” Igreja, e nós os seus ativos sujeitos responsáveis. O aspecto passivo cede àquele ativo. A Igreja surge através de discussões, acordos e decisões. No debate surge isso que ainda hoje pode ser questionado, isso que hoje ainda pode ser reconhecido por todos como pertencente à fé ou como linha moral diretiva.
Cunham – se novas “fórmulas de fé” abreviadas. Na Alemanha, em nível bastante elevado, foi afirmado que também a Liturgia não deve mais corresponder a um esquema prévio, já dado, mas ao invés, deve surgir no lugar, em uma precisa situação, feita pela própria comunidade onde se celebra. Também esta não deve ser mais nada de “pré – fabricada”, mas ao invés algo feito por si próprio. Algo que seja expressão de si mesmo. Sobre esta via se revela ser um pouco “obstacularizado”, ainda mais, a palavra da Escritura. A esta não se pode, porém, renunciar totalmente. Se deve então, encara – la com muita liberdade de escolha. Não são muitos, porém, os textos que se permitem empregar de tal maneira, que se adaptam sem incômodos de auto – realização, das quais a liturgia neste momento, parece ser destinada.
Nesta obra de reforma, neste momento, finalmente também na Igreja a “auto – gestão” deve substituir o ser guiados por outros, surgem porém, imediatamente perguntas. Quem tem propriamente o direito de tomar as decisões? Sobre qual base isto acontece? Na democracia política a esta pergunta se responde com o sistema de representação: nas eleições cada um escolhe seus representantes, os quais devem tomar decisões por eles. Esta tarefa é limitada por um tempo. E é circunscrita também contextualizadamente nas grandes linhas do sistema partidário e compreende somente aqueles âmbitos da ação política que por meio da Constituição são definidos às entidades estatais representativas.
Permanecem à este próposito algumas questões: a minoria deve inclinar – se para a maioria, e esta minoria pode ser muito grande. Além disso não é sempre garantido que o representante que eu elegi aja e fale verdadeiramente no sentido desejado por mim, de tal maneira a maioria vitoriosa, observando as coisas mais de perto, ainda uma vez não pode considerar – se de fato inteiramente como sujeito ativo do evento político. Ao contrário esta deve aceitar também, “decisões tomadas por outros”, onde pelo menos não coloca em perigo o sistema em sua integridade.
O mais importante para a nossa questão é porém um problema geral. Tudo aquilo que os homens fazem, pode também ser cancelado por outros. Tudo isso que provém de um gosto humano pode não agradar aos outros. Tudo isso que uma maioria decide pode ser vetado por uma outra maioria. Uma Igreja que repousa sobre as decisões de uma maioria transforma – se em uma Igreja puramente humana.
Ela é reduzida a um nível daquilo que é fato e paupável, de quanto é feito da própria ação e das próprias intuições e opiniões. A opinião substitui a fé. E efetivamente, nas fórmulas de fé cunhadas por si mesmas que eu começo, o significado da expressão “creio” não vai jamais além do significado “nós pensamos”. A Igreja feita por si mesma tem afinal o sabor do “si mesmos”, que aos outros “si mesmos”, não e nunca agrada e logo revela a sua própria pequenez. Ela se retirou no âmbito do empírico, e assim se dissolveu também como ideal sonhado
A essência da verdadeira reforma
O ativista, aquele que quer construir tudo por si mesmo, e o contrário daquele que admira: o “admirador”. Ele restringe o âmbito da própria razão e perde assim de vista o Mistério. Quanto mais na Igreja se estende o âmbito das coisas por si mesmas e feitas por si mesmas, tanto mais estreita ela se transforma para todos nós.
Nessa grande dimensão, libertadora, não é constituida por aquilo que nós mesmos fazemos, mas daquilo que a todos nós é doado. Aquilo que não provém da nossa vontade e invenção, mas é ao invés um preceder – nos, um vir a nós daquilo que é inimaginável, daquilo que é maior que o nosso coração.
A reforma, aquela que é necessária em todos os tempos, não consiste no fato que nós podemos remodelar – nos sempre de novo a “nossa” Igreja como mais nos agrada, que nós podemos inventá – la, mas no fato que nós jogamos fora sempre novamente as nossas próprias construções de sustentamento, em favor da luz puríssima que vem do alto e que  é ao mesmo tempo transbordamento da pura liberdade.
Deixai – me dizer com uma imagem aquilo que entendo. Uma imagem che encontrei em Michelangelo, o qual retoma nisso de sua parte antigas concepções da mística e da filosofia cristãs. Com o olhar do artista, Michelangelo via já na pedra o que lhe estava à frente uma “imagem modelo” que de forma escondida esperava ser libertada e coloca na luz. A tarefa do artista segundo ele era somente retirar aquilo que ainda recobria a imagem. Michelangelo concebia a autêntica ação artística como um trazer à luz, um colocar em liberdade, não como um “fazer”, produzir.
A mesma idéia aplicada porém em âmbito antrológico, se encontrava já em São Boaventura, o qual explica o caminho através o qual o homem se transforma autenticamente em si mesmo, baseando – se na comparação com o esculpidor de imagens, isto é o escultor. O escultor não faz algo, diz o grande teólogo franciscano. A sua obra é ao invés uma ablatio: esta consiste em eliminar, em retirar aquilo que é inautêntico.
Desta maneira, através da ablatio, emerge a nobilis forma, isto é a figura preciosa. Assim também o homem, afim de que resplenda nele a imagem de Deus, deve sobretudo e antes de tudo acolher esta purificação, através da qual o escultor, ou seja, Deus, o liberta de todas aquelas impurezas que obscurecem o aspecto autêntico de seu ser, fazendo – o aparecer somente como um bloco de pedra bruta, enquanto que inabita nele a forma divina.
Se a entendermos justamente, podemos encontrar também nessa imagem o modelo guia para a reforma eclesial. Certo, a Igreja terá sempre necessidade de novas estruturas humanas de apoio, para poder falar e agir em toda época histórica. Tais instituições eclesiásticas, com as suas configurações jurídicas, longe de ser algo mau, são ao contrário, de certa forma, simplesmente necessárias e indispensáveis.
Mas essas envelhecem se ariscam de se apresentarem como a coisa mais essencial, e assim distorcem o olhar de quanto é verdadeiramente essencial. Por isso essas devem sempre de novo serem jogadas fora, como estruturas tornadas supérfluas. Reforma é sempre novamente uma ablatio: um remover, a fim de que seja visível a nobre forma, o rosto da Esposa e junto com este
Uma semelhante ablatio, uma semelhante “teologia negativa” é uma via em direção à um olhar totalmente positivo. Só assim o Divino penetra, e só assim surge uma congregratio: uma assembleia, uma reunião, uma purificação, aquela comunidade pura que desejamos: uma comunidade cujo um “eu” não está mais contra o outro “eu”, um “si” contra o outro “si”. Ao invés daquele doar –se, daquele confiar – se, que faz parte do amor, transforma o recíproco receber todo o bem e todo o puro. E assim para cada um vale a palavra do Pai generoso, o qual ao filho maior invejoso relembra à memória quanto constitui o conteúdo de toda a liberdade e de toda utopia realizada: “Tudo aquilo que é meu é teu” (Lc 15, 31)
A verdadeira reforma é então uma ablatio, que como tal se torna congretatio. Procuremos tomar de modo um pouco mais concreto esta ideia de fundo. Em uma primeira comparação tínhamos contraposto o ativista e o admirado, e nos expressávamos em favor do último. Mas o que exprime esta contraposição? O ativista aquele que sempre faz, põe a sua própria atividade acima de tudo. Isto limita o seu horizonte ao âmbito praticável, daquilo que se pode tornar objeto de seu fazer. Propriamente falando ele vê somente objetos. Não consegue perceber aquilo que é maior do que ele, pois aquilo colocaria um limite na sua atividade. Ele restringe o mundo àquilo que é empírico. O homem é amputado. O ativista se constrói sozinho uma prisão, contra a qual ele mesmo depois protesta em alta voz.
Ao contrário o autêntico estupor é um “não” à limitação dentro daquilo que é empírico, dentro daquilo que é somente além daqui. Isto prepara o homem ao ato de fé, que ele escancara diante do horizonte do Eterno, do infinito. E somente aquilo que não tem limite é suficientemente amplo para a nossa natureza, somente o ilimitado é adequado à vocação do nosso ser. Onde este horizonte desaparece, todo resíduo de liberdade torna muito pequeno e todas as libertações, que conseqüentemente podem ser propostas, são um insípido substituto, que não jamais é suficiente. A primeira, fundamental ablatio, que é necessária para a Igreja, é sempre novamente ato da mesma fé. Aquele ato de fé que destrói as barreiras do finito e abre assim o espaço para alcançar o ilimitado. 
A fé nos conduz longe, em terras sem limites, como dizem os Salmos. O pensamento científico moderno nos fechou sempre mais nas cadeias do positivismo, condenando – nos assim ao pragmatismo. Por seu mérito se podem chegar a muitas coisas; se pode viajar até sobre a lua e ainda mais longe, na imensidão do cosmo. 
Todavia, apesar disso, se permanece sempre no mesmo ponto, porque a verdadeira e própria fronteira, a fronteira do quantitativo e do fatível, não vem ultrapassada. Alberto Camus descreveu o absurdo desta forma de liberdade na figura do imperador Calígula: tudo está a sua disposição, mas todas as coisas são muitas limitadas. Na sua loucura de ter sempre mais, e coisas sempre maiores, ele grita: Quero ter a lua, dá – me a lua. Mas até que se abra a verdadeira e própria fronteira entre a terra e o céu, entre Deus e o mundo, também a lua é somente um subseqüente pedacinho de terra, e para alcança – la não nos conduz nem a um passo mais próximos à liberdade e à plenitude que desejamos.
A fundamental libertação que a Igreja pode dar é estar no horizonte do Eterno, e sair dos limites do nosso saber e do nosso poder. A mesma fé, em toda a sua grandeza e amplidão, é por isso sempre novamente a reforma essencial de que temos necessidade; a partir dessa temos que sempre de novo colocar à prova aquelas instituições que na Igreja nos mesmos temos feito. Isso significa que a Igreja deve ser a ponte da fé, e que essa – especialmente na sua vida de associação intramundana – não se pode tornar até a si mesma. Hoje é difundida aqui e ali, também nos elevados ambientes eclesiásticos a idéia que uma pessoa seja mais cristã quanto mais seja empenhada nas atividades eclesiásticas. Empurra– se a uma espécie de terapia eclesiástica da atividade, do fazer, a cada um se procura de dar – lhe um partido, ou em todo caso, ao menos alguma tarefa no interno da Igreja
De certa forma, assim se pensa, nos deve sempre útil uma atividade eclesial, se deve falar de Igreja ou se deve fazer algo por esta ou nela. Mas, um espelho que reflete somente si mesmo não é um espelho; uma janela que ao invés de consentir um olhar livre em direção do distante horizonte, se sobrepõe como uma tela entre o observador e o mundo, perdeu seu sentido.
Pode acontecer que alguém exercite ininterruptamente a atividade de associações eclesiásticas e, todavia não seja de fato um cristão. Pode acontecer que alguém viva só simplesmente da Palavra e do Sacramento e pratique o amor que provém da fé, sem nunca ter comparecido nos partidos eclesiásticos, sem jamais ter se ocupado com as novidades da política eclesiástica, sem ter, de fato, participado de sínodos e sem ter votado nestes, e, todavia ele é um verdadeiro cristão. Não é de uma Igreja mais humana que temos necessidade, mas de uma Igreja mais divina; só assim esta será também verdadeiramente humana.
É por tudo isso que é feito pelo homem, no interno da Igreja, deve reconhecer –se no seu puro caráter de serviço e diminuir diante daquilo que é mais conta e daquilo que é mais essencial. A liberdade, que nós esperamos com a razão da Igreja e na Igreja não se realiza pelo fato que nós introduzamos nessa o princípio da maioria. Essa não depende do fato que a maioria mais ampla possível prevaleça sobre a minoria mais exígua possível. Esta depende ao invés pelo fato que ninguém pode impor a sua própria vontade sobre os outros, mas todos se reconheçam ligados à palavra e à vontade do Único, que é nosso Senhor e nossa liberdade.
Na Igreja a atmosfera torna angustiante e sufocante se os portadores do mistério esquecem que o Sacramento não é uma divisão de poder, mas que ao contrário, é expropriação de mim mesmo em favor daquele, na pessoa do qual eu devo falar e agir. Onde há maior responsabilidade corresponde sempre mais a auto – expropriação, ali ninguém é escravo do outro, ali domina o Senhor, e por isso vale o princípio que: “o Senhor é Espírito. Onde, porém há o Espírito do Senhor, ali há liberdade”.
Quantos aparatos nós construímos, sejam mesmo os mais modernos, tanto menos há espaço para o Espírito, tanto menos há espaço para o Senhor, e menos ainda há liberdade. Eu acredito que nos deveríamos, sob este ponto de vista, iniciar na Igreja a todos os níveis um exame de consciência sem reservas. A todos os níveis este exame de consciência deveria ter consequências muito concretas, e levar consigo uma ablatio que permita transparecer um novo e autêntico semblante da Igreja. Este poderia dar de novo a todos nós o sentido da liberdade e do encontrar a própria causa de maneira completamente nova.
Moral perdão e expiação: o centro pessoal da reforma
Olhemos um momento, antes de ir para frente, a quanto até aqui temos colocado em luz. Temos falado de um duplo “tirar”, de um ato de libertação, que é um duplo ato: de purificação e de renovação. A princípio, o discurso tem tocado a fé, que quebra as paredes do finito e liberta o olhar em direção das dimensões do Eterno, é não somente o olhar, mas também a estrada. A fé é de fato não só reconhecer, mas operar; não só uma fratura na parede, mas uma mão que salva, que tira da caverna. Daquilo que temos tirado a consequência, para as Instituições, que a essencial organização da Igreja tem necessidade sempre de novos desenvolvimentos concretos e de concretas configurações não podem tornar – se a coisa essencial. A Igreja realmente não existe para o objetivo de manter –se ocupada como qualquer associação intramundana e de conservar –se na vida dela mesma, mas existe para transformar todos nós em acesso para a vida eterna.
Ora devemos cumprir um seguinte passo, e aplicar tudo isso não mais a nível geral e objetivo qual era até agora, mas no âmbito pessoal. De fato, aqui também, na esfera pessoal, é necessário um “despojamento” que nos liberte. Sobre o plano pessoal não é sempre e sem dúvida a “forma preciosa”, isto é, a imagem de Deus inscrita em nós, a saltar diante dos olhos. Como primeira coisa nos vemos ao invés só a imagem de Adão, a imagem do homem não totalmente destruído, mas sempre caído. Vemos as incrustações de pó e sujeira, que se posaram sobre a imagem. Todos nós temos a necessidade do perdão, que constitui o núcleo de toda e verdadeira reforma. Não é certamente um caso que nas três etapas decisivas da formação da Igreja, narradas pelos Evangelhos, a remissão dos pecados tenha um papel essencial. Há em primeiro lugar a entrega das chaves a Pedro. O poder a ele conferido de ligar e desligar, de abrir e fechar, de que se fala, é, no seu núcleo, tarefa de deixar entrar, de acolher em casa, de perdoar.
A mesma coisa se encontra de novo na última Ceia que inaugura a nova comunidade a partir do corpo de Cristo e no corpo de Cristo. Esta se torna possível pelo fato de que o Senhor derrama seu sangue “por muitos, em remissão dos pecados”. Enfim, o Ressuscitado, na sua primeira aparição aos onze, funda a comunhão da sua paz no fato que Ele doa a eles o poder de perdoar. A Igreja não é uma comunidade de pecadores daqueles que “não têm necessidade do médico”, mas uma comunidade de pecadores convertidos, que vivem da graça do perdão, transmitindo – a aos demais.
Se lermos com atenção o Novo Testamento descobrimos que o perdão não tem em si nada de mágico, isto não é, porém um fazer de conta que se esqueça, não é “um fazer come se não fosse”, mas ao contrário é um processo de mudança totalmente real, que faz o Escultor.
O jogar fora a culpa remove de verdade alguma coisa; a chegada do perdão em nós se mostra com vinda da penitência. O perdão é em tal sentido um processo ativo e passivo: a potente palavra criadora de Deus sobre nós opera a dor da mudança e torna assim ativo transformar – se. Perdão e penitência, graça e própria pessoal conversão não estão em contradição, mas estão ao contrário duas faces do único e mesmo evento. Esta fusão de atividade e passividade exprime a forma essencial da existência humana. De fato todo o nosso criar começa com o ser criado, com a nossa participação na atividade criadora de Deus.
Aqui chegamos à um ponto verdadeiramente central: acredito de fato que o núcleo da crise espiritual de nosso tempo tenha as suas raízes no “obscurar – se” da graça do perdão.
Notamos porém a princípio o aspecto positivo do presente: a dimensão moral começa novamente pouco a pouco ser considerado. Reconhece – se, aliás tornou – se evidente, que todo progresso técnico é discutível e ultimamente destrutivo, se a este não corresponde um crescimento moral.
Reconhece- se que não há reforma do homem e da humanidade sem uma renovação moral. Mas a invocação de moralidade permanece, porém no fim sem energia, pois os parâmetros se escondem em um espesso nevoeiro de discussões. De fato o homem não pode suportar a pura e simples moral, não pode viver dessa: esta torna para ele uma “lei”, que provoca o desejo de contradizer – la e gera o pecado. Por isso onde há o pecado, o verdadeiro perdão cheio de eficácia, não vem reconhecido ou não se crê, a moral deve ser feita de modo tal que as condições do pecador para cada homem não possam jamais propriamente verificar – se. Nas grandes linhas se pode dizer que a atual discussão moral tende a libertar os homens da própria culpa, fazendo que não sejam importantes as condições de sua possibilidade. Vem em mente a cortante frase de Pascal: Eis que os pais tiram os pecados do mundo. Segundo estes “moralistas” não há simplesmente mais alguma culpa.  
Naturalmente, todavia, esta maneira de libertar o mundo da culpa é muito barata. Dentro deles, os homens assim libertos sabem tão bem que tudo isto não é verdadeiro, que existe o pecado, que estes mesmos são pecadores e que deve ter uma maneira efetiva de superar o pecado.
Também o mesmo Jesus não chama de fato àqueles que já se libertaram por si  mesmos e que por isso – como estes pensam – não têm necessidade d’Ele, mas chama ao invés aqueles que se reconhecem pecadores e que por isso têm necessidade d’Ele.
A moral conserva a sua seriedade somente se há o perdão, um perdão real, eficaz, senão este cai na pura e vazia condicional. Mas, o verdadeiro perdão há somente se tem o “preço de compra”, a “equivalente troca”, se primeiro a culpa foi expiada, se existe expiação. A circularidade que existe entre “moral – perdão – expiação” não pode ser dividida. Se falta um elemento cai também todo o resto.
Da indivisa existência deste círculo depende se para o homem há redenção ou não. Na Torá, nos cinco livros de Moisés, estes três elementos são indivisivelmente ligados um ao outro e não é possível, portanto deste centro compacto pertencente ao Cânon do AT dividir – se, de modo iluminista, uma lei moral sempre válida, abandonando todo o resto à história passada. Esta modalidade de moral de atualização do AT termina necessariamente na falência; neste ponto preciso estava o erro de Pelágio, o qual tem hoje muito mais seguidores de quanto não pareça a primeira vista. Jesus ao contrário cumpriu toda a lei, não só à uma parte desta e assim a renovou desde a base. Ele mesmo, que sofreu expiando é também a única segura e sempre válida base de nossa moral.
Não se pode separar a moral da cristologia, pois não se pode separá – la da expiação e do perdão. Em Cristo toda a Lei é cumprida, e assim a moral se torna verdadeira exigência que se pode cumprir voltada a nós. A partir do núcleo da fé se abre assim sempre de novo o caminho da renovação para cada pessoa, para a Igreja no seu todo e para a humanidade.

O sofrimento, o martírio e a alegria da Redenção

Sobre isto teríamos muito a dizer. Procurarei somente, muito brevemente, de indicar como conclusão, ainda àquilo que no nosso contexto me parece como algo importante. O perdão e a sua realização em mim, através da via da penitência e do seguimento, é em primeiro lugar o centro do todo pessoal de toda renovação. Mas, o perdão concerne a pessoa no seu núcleo mais íntimo, este é capaz de fazer a unidade, e também é o centro do renovação da comunidade. Se de fato, são tirados de mim a poeira e a sujeira, que fazem irreconhecível em mim a imagem de Deus, então de tal modo eu torno de verdade semelhante ao outro, o qual é também imagem de Deus, e sobretudo, eu me torno semelhante a Cristo, que é imagem de Deus sem algum limite, o modelo segundo o qual todos nós fomo criados. Paulo exprime este processo com termos muito drásticos: a velha imagem passou, eis que surge uma nova, não sou que vivo, mas Cristo vive em mim. Se trata de um processo de morte e de nascimento. Eu sou arrancado do meu isolamento e sou acolhido em uma nova comunidade – sujeito, o meu “eu” é inserido no “eu” de Cristo e assim é unido ao todos meus irmãos.
Somente a partir desta profunda renovação de cada um nasce a Igreja, nasce a comunidade que une e sustenta na vida e na morte. Somente quando levamos em consideração tudo isto, vemos a Igreja na sua justa ordem de grandeza.
A Igreja: esta não é só um pequeno grupo de ativistas que se encontram juntos em certo lugar para executar a vida comunitária. A Igreja não é tampouco simplesmente o grande grupo daqueles que aos domingos se reúnem para juntos celebrar a Eucaristia. E enfim, a Igreja é também mais que o Papa, os bispos e os padres, daqueles são investidos pelo ministério sacramental. Todos aqueles que nomeamos fazem parte da Igreja, mas o raio da companhia, pelo qual entramos mediante a fé, vai mais além, vai mesmo até além da morte. Desta forma fazem parte todos os Santos, a partir de Abel e de Abraão e de todas as testemunhas da esperança que conta o AT, passando através de Maria, a Mãe do Senhor, e seus Apóstolos, através de Tomás Becket e Tomás Moro, até chegar até Maximiliano Maria Kolbe, Edith Stein, a Piergiorgio Frassati. Desta fazem parte os homens de todos os lugares, e de todos os tempos, cujo coração se dilata esperando e amando a Cristo, “autor e “perfeicionador” da fé”, como o chama a carta ao hebreus.  
Não são maiorias ocasionais que se formam aqui e ali na Igreja que decidem o seu e o nosso caminho. Estes, os santos, são a verdadeira, determinante maioria secundo a qual nós nos orientamos. À esta nós nos temos consideração! Estes traduzem o divino no humano, o eterno no tempo. Estes são os nossos mestres de humanidade, que não nos abandonam mesmo na dor e na solidão, mas ao contrário, na hora da morte caminham ao nosso lado.
Aqui nos tocamos algo muito importante. Uma visão do mundo que não pode dar um sentido mesmo na dor e faze – lo precioso não serve para nada. Esta é falha porque onde aparece a questão decisiva da existência. 
Aqueles que não têm nada para dizer sobre a dor, mas que se deve combate – la, nos enganam. Certamente se necessita fazer de tudo para aliviar a dor de tantos inocentes e para limitar o sofrimento. Mas, uma vida humana sem dor não existe, e quem não é capaz de aceitar a dor se reduz àquelas purificações que somente nos amadurecem. 
Na comunhão com Cristo a dor adquire significado, não só para mim mesmo, como processo de ablatio, no qual Deus tira de mim as sujeiras que obscurecem a sua imagem, mas também isto de mim mesmo é útil para o todo, assim todos nós podemos dizer com São Paulo: “Por isto estou feliz pelos sofrimentos que suporto por vós e completo na minha carne aquilo que falta aos sofrimentos de Cristo, em favor de seu Corpo que é a Igreja. Tomás Becket, que junto com o Admirador e com Einstein nos guiaram na reflexões destes dias, nos encoraja ainda à um último passo. A vida vai além de nosso existência biológica. Onde não há motivo pelo qual vale a pena morrer, ali também a vida não vale mais a pena.
Onde a fé nos abriu o olhar e nos fez grande o coração, eis que aqui se adquire toda a sua força de iluminação também esta outra frase de São Paulo: “Ninguém vive para si mesmo, e ninguém morre para si mesmo, porque se vivemos, vivemos para o Senhor, se morremos, morremos para o Senhor, somos então do Senhor”. Quanto mais nós estamos arraigados na companhia com Jesus Cristo e com todos aqueles que a Ele pertencem, tanto mais a nossa vida será sustentada por aquela irradiante confiança que ainda uma vez São Paulo se expressou: “Disto estou certo: nem a morte, nem a vida, nem os anjos, as potestades, nem o presente, nem o futuro, nem as potências, nem a altura, nem profundidade, nem alguma outra criatura poderá jamais separar – nos do amor de Deus, que é em Cristo Jesus nosso Senhor. Caros amigos, nós devemos, por meio de semelhante fé, nos deixar preencher! 
Logo, a Igreja cresce como comunhão no caminho em direção e dentro da verdadeira vida, e, portanto esta se renova dia após dia. Assim esta se transforma em grande casa com tantas moradas; logo a multiplicidade dos dons do Espírito Santo pode operar nela. Assim nós veremos “como é bom e belo que irmãos vivam juntos... É como a brisa do Hermon, que desce sobre o monte de Sião; ali o Senhor dá a benção e a vida para sempre”. (Sal 133, 1- 3)

Obrigado!