Eucaristia.
Na crise de fé que estamos vivendo, o ponto neurálgico é, cada vez mais, a reta
celebração e a reta compreensão da Eucaristia.
Todos
nós sabemos qual é a diferença entre uma igreja onde se reza e uma igreja reduzida
a um museu. Hoje corremos o risco do que as nossas igrejas se convertam em museus
e acabem como os museus: se não fecharem, serão espoliados. Não têm vida. A medida
da vitalidade de uma igreja, a medida da sua abertura interior, mostrar-se-á
pelo fato de as suas portas poderem permanecer abertas, precisamente por ser
uma igreja onde se reza continuamente.
Orar diante da
Eucaristia.
"Também posso rezar no bosque, mergulhado na natureza". É
claro que se pode. Mas se só se pudesse rezar assim, a iniciativa da oração estaria
totalmente dentro de nós: Deus seria pouco mais do que um postulado do nosso pensamento.
Que Ele responda ou queira responder, permaneceria uma questão em aberto. Em contrapartida, a
Eucaristia significa: Deus respondeu. A
Eucaristia é Deus como resposta, como presença que responde. Agora, a
iniciativa da relação divino-humana já não depende de nós, mas dEle, e assim
se torna verdadeiramente séria. Por isso, a oração atinge um nível
inteiramente novo no âmbito da adoração eucarística; só agora envolve as duas
partes, só agora é séria. Mais ainda, não envolve apenas as duas partes, mas só
agora se torna plenamente universal: quando rezamos na presença da Eucaristia,
nunca estamos sós. Conosco reza toda a Igreja que celebra a Eucaristia. Nessa
oração, já não estamos diante de um Deus pensado, mas diante de um Deus que
verdadeiramente se entregou a nós; diante de um Deus que se fez comunhão conosco,
e assim nos liberta dos nossos limites e nos conduz à Ressurreição. Esta é a oração
que devemos voltar a buscar.
Culto eucarístico.
O culto é tomar consciência da queda [do pecado original], é, por assim dizer,
o instante do arrependimento do filho pródigo, o voltar-o-olhar-para-a-origem.
Na medida em que, segundo muitas filosofias, o conhecimento e o ser coincidem,
o fato de se voltar o olhar para o Princípio constitui também, e ao mesmo tempo,
uma nova ascensão para Ele.
Desde
[o momento em que tiveram lugar] a Cruz e a Ressurreição de Jesus, a Eucaristia
é o ponto de encontro de todas as linhas da Antiga Aliança, e até da História
das religiões em geral: o culto verdadeiro, sempre esperado e que sempre supera
as possibilidades humanas, a adoração em espírito e verdade.
Que
ninguém diga agora: a Eucaristia existe para ser comida, não para ser adorada. Como
sublinham uma e outra vez as tradições mais antigas, não é de forma alguma um pão
corrente. Comê-la é um processo espiritual que abarca toda a realidade humana. Comer
Cristo significa adorar a Cristo. Comê-lo significa deixá-lo entrar em mim de modo
que o meu "eu" seja transformado e se abra ao grande "nós",
de maneira que cheguemos a ser um só com Ele. Desta forma, a adoração não se
opõe à comunhão nem se situa paralelamente a ela. A comunhão só atinge toda a
sua profundidade se estiver sustentada e compreendida pela adoração. A presença
eucarística no tabernáculo não cria outro conceito da Eucaristia paralelo ou
oposto à celebração eucarística, antes constitui a sua plena realização.
Eucaristia e
sacrifício.
A Eucaristia é sacrifício. Ao ouvirmos esta frase, experimentamos
resistência no nosso íntimo. Levanta-se a pergunta: Quando falamos de sacrifício,
não estaremos formando uma imagem indigna, ou pelo menos ingênua, de Deus? Não
acabaremos pensando que nós, os homens, podemos e até devemos dar algo a
Deus? A Eucaristia responde precisamente a essas questões. A primeira coisa que
nos diz é que Deus se entrega a nós para que nós possamos, por nossa vez,
dar-nos a Ele. No sacrifício
de Jesus Cristo, a iniciativa vem de Deus. No começo, foi Ele quem se abaixou
primeiro. Cristo
não é uma oferenda que nós, os homens, apresentamos a um Deus irritado; pelo contrário,
o facto de Ele estar aqui, de viver, sofrer e amar, já é obra do amor de Deus. É
o amor misericordioso de Deus que se abaixa até nós; é o Senhor quem se faz a
si mesmo servo por nós. Embora sejamos nós que causamos o conflito, e embora o culpado
não seja Deus, mas nós, é Ele quem vem ao nosso encontro e quem, em Cristo, pede
a reconciliação.
Quanto
mais andamos com Ele, mais conscientes nos tornamos de que o Deus que parece
atormentar-nos é na verdade o único que nos ama realmente e o único a quem podemos
abandonar-nos sem resistência nem medo. Quanto mais penetramos na noite desse
mistério incompreendido, mais confiamos nEle, mais o encontramos, mais descobrimos
o amor e a liberdade que nos sustentam em todas as outras noites. Deus dá para
que nós possamos dar: esta é a essência do sacrifício eucarístico, do
sacrifício de Jesus Cristo.
(Excertos
dos livros Il Dio Vicino e Introdução ao Espírito da Liturgia de Joseph
Ratzinger)
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