Páginas

sexta-feira, 2 de março de 2012

"Companhia sempre em reforma",conferência do então Cardeal Ratzinger sobre a "reforma" da Igreja.


Encontro com o Cardeal Ratzinger no Meeting Rimini em 01.09.1990. Ao lado, o vídeo da conferência em italiano. Agradecemos ao nosso querido amigo e irmão Sm.Gabriel Vital pela tradução do texto.

A insatisfação em relação à Igreja
Não há necessidade de muita imaginação para adivinhar que a companhia, que quero falar aqui, é a Igreja. Talvez foi evitado mencionar no título o termo “Igreja” somente porque este provoca espontaneamente, na maior parte dos homens de hoje, reações de defesa.
Eles pensam: “Sobre a Igreja, já ouvimos falar tanto e não se tratou nada de agradável.” A palavra e a realidade de Igreja caíram em descredito. E por isso também uma semelhante reforma não parece poder mudar alguma coisa. Ou talvez o problema até agora não foi descoberto, então qual tipo de reforma se poderia fazer da Igreja uma companhia que valha realmente a pena de ser vivida? 
Mas, nos questionemos antes de tudo: por que a Igreja consegue desagradar a tantas pessoas, e também aos fiéis, a pessoas que até ontem podiam ser contadas entre as mais fiéis ou que, mesmo entre os sofrimentos, são de qualquer maneira ainda hoje? Os motivos são entre eles muito diferentes, opostos, segundo os posicionamentos. Alguns sofrem porque a Igreja se adaptou muito aos parametros do mundo de hoje; outros estão insatisfeitos porque ainda permanece muito estranha.
Para a maior parte das pessoas o descontentamento em relação a Igreja começa com o fato que esta é uma instituição como tantas outras, e que como tal se limita à minha liberdade. A sede de liberdade e a forma que hoje se expressam o desejo de libertação e a percepção de não ser livres, de ser alienados.
A invocação de liberdade aspira por uma existência que não se limita àquilo que já foi dado e que me impede em meu pleno desenvolvimento, apresentando – me desde fora o caminho que eu deveria percorrer. Mas, em todas partes vamos a bater contra barreiras e “bloqueios de estrada” (batidas da polícia, blitz) deste gênero, que nos param, nos impedem de ir além. Os obstáculos, que a Igreja levanta, se apresentam então, como duplamente pesados, pois penetram até a esfera mais pessoal e íntima. As normas de vida da Igreja são de fato, mais do que uma espécie de regras de trânsito, a fim de que, a convivência humana evite, quanto mais possível for, os conflitos. Esses pertencem ao meu caminho interior, e me dissem como devo compreender e configurar a minha liberdade. Esses exigem de mim decisões, que não podem ser tomadas sem a dor da renúncia. Porventura, pode ser negado a nós os frutos mais belos do jardim da vida?
Não é talvez verdade que com a limitação de tantos mandamentos e proibições nos vem bloqueada a estrada de um horizonte aberto? E o pensamento, não é talvez obstacularizado na sua grandeza, como também a vontade? Não se deve talvez a libertação ser necessariamente a saída de uma semelhante tutela espiritual? E a única verdadeira reforma não seria talvez aquela de afastar tudo isso? Mas agora, o que sobra ainda dessa companhia?
A amargura contra a Igreja tem porém também um motivo específico. Realmente, em meio ao mundo governado por uma dura disciplina e por inflexíveis proibições se levanta contra a Igreja ainda e sempre uma silenciosa esperança: esta poderia representar em tudo isso como uma pequena ilha de vida melhor, um pequeno oásis de liberdade, no qual de vez em quando se possa retirar –se.
A ira contra a Igreja ou a decepção em relação à ela têm por isso um caráter particular, pois silenciosamente se espera dela, algo a mais que em outras instituições mundanas. Nela se deveria realizar o sonho de um mundo melhor. Quanto menos se desejaria saborear dela o gosto da liberdade, de ser livres: aquele “sair fora” da caverna, de qual fala Gregório Magno, voltando a Platão.
Contudo, no momento em que a Igreja no seu aspecto concreto se é de tal maneira distanciado de semelhantes sonhos, assumindo também essa o sabor de uma instituição e de tudo aquilo que é humano, contra ela se levanta uma cólera particularmente amarga. E essa cólera não pode acabar. Mesmo porque não se pode extinguir aquele sonho que nos tinha voltado com esperança em relação à ela. Se a Igreja não é assim como nos parece nos sonhos, se procura desesperadamente de fazê – la como se gostaria de fazer: um lugar no qual se possa expressar todas as liberdades, um espaço onde sejam abatidos os nossos limites, onde se experimenta aquela utopia, que deverá estar em algum lugar. Como no campo da ação política se gostaria finalmente construir um mundo melhor, assim, se pensa, se deveria finalmente (quiça como primeira etapa na direção disto) colocar na Igreja melhor também: uma Igreja cheia de humanidade, cheia de sentido fraterno, de generosa criatividade, uma morada de reconciliação de tudo e de todos.

Reforma inútil

Mas de que maneira deveria acontecer isto? Como se pode conseguir uma semelhante reforma? Então devemos começar, se diz. Se diz frequentemente com a ingênua presunção do iluminado, o qual é convicto que as gerações até agora não tenham compreendido bem a questão. Ou que foram muito medrosas e pouco iluminidas; nós porém temos finalmente ao mesmo tempo seja a coragem que a inteligência. Por quanta resistência podem opor – se os subversivos e os “fundamentalistas” à esta nobre iniciativa, esta deve ser colocada em ação. Ao menos há uma receita satisfatória iluminante para o primeiro passo.
A Igreja não é uma democracia. Quando surge esta não há ainda integrado na sua constituição interna aquele patrimônio de direitos da liberdade que o Iluminismo elaborou e que a partir de então foi reconhecida como regra fundamental das formações sociais políticas. Assim parece a coisa mais normal do mundo recuperar uma “boa vez” quanto era descuidado e começar a construir este patrimônio fundamental de estruturas de liberdade.
O caminho conduz – como se diz – de uma Igreja paternalista e distribuidora de bens a uma Igreja comunidade. Se diz que ninguém mais deveria permanecer passivo receptor dos dons que fazem ser cristão. Todos devem ao invés transformar – se ativos operadores da vida cristã.
A Igreja não deve mais “descer aos poucos” do alto. Não! Somos nós que “fazemos” a Igreja, e a fazemos sempre nova.
Assim esta se transformará finalmente a “nossa” Igreja, e nós os seus ativos sujeitos responsáveis. O aspecto passivo cede àquele ativo. A Igreja surge através de discussões, acordos e decisões. No debate surge isso que ainda hoje pode ser questionado, isso que hoje ainda pode ser reconhecido por todos como pertencente à fé ou como linha moral diretiva.
Cunham – se novas “fórmulas de fé” abreviadas. Na Alemanha, em nível bastante elevado, foi afirmado que também a Liturgia não deve mais corresponder a um esquema prévio, já dado, mas ao invés, deve surgir no lugar, em uma precisa situação, feita pela própria comunidade onde se celebra. Também esta não deve ser mais nada de “pré – fabricada”, mas ao invés algo feito por si próprio. Algo que seja expressão de si mesmo. Sobre esta via se revela ser um pouco “obstacularizado”, ainda mais, a palavra da Escritura. A esta não se pode, porém, renunciar totalmente. Se deve então, encara – la com muita liberdade de escolha. Não são muitos, porém, os textos que se permitem empregar de tal maneira, que se adaptam sem incômodos de auto – realização, das quais a liturgia neste momento, parece ser destinada.
Nesta obra de reforma, neste momento, finalmente também na Igreja a “auto – gestão” deve substituir o ser guiados por outros, surgem porém, imediatamente perguntas. Quem tem propriamente o direito de tomar as decisões? Sobre qual base isto acontece? Na democracia política a esta pergunta se responde com o sistema de representação: nas eleições cada um escolhe seus representantes, os quais devem tomar decisões por eles. Esta tarefa é limitada por um tempo. E é circunscrita também contextualizadamente nas grandes linhas do sistema partidário e compreende somente aqueles âmbitos da ação política que por meio da Constituição são definidos às entidades estatais representativas.
Permanecem à este próposito algumas questões: a minoria deve inclinar – se para a maioria, e esta minoria pode ser muito grande. Além disso não é sempre garantido que o representante que eu elegi aja e fale verdadeiramente no sentido desejado por mim, de tal maneira a maioria vitoriosa, observando as coisas mais de perto, ainda uma vez não pode considerar – se de fato inteiramente como sujeito ativo do evento político. Ao contrário esta deve aceitar também, “decisões tomadas por outros”, onde pelo menos não coloca em perigo o sistema em sua integridade.
O mais importante para a nossa questão é porém um problema geral. Tudo aquilo que os homens fazem, pode também ser cancelado por outros. Tudo isso que provém de um gosto humano pode não agradar aos outros. Tudo isso que uma maioria decide pode ser vetado por uma outra maioria. Uma Igreja que repousa sobre as decisões de uma maioria transforma – se em uma Igreja puramente humana.
Ela é reduzida a um nível daquilo que é fato e paupável, de quanto é feito da própria ação e das próprias intuições e opiniões. A opinião substitui a fé. E efetivamente, nas fórmulas de fé cunhadas por si mesmas que eu começo, o significado da expressão “creio” não vai jamais além do significado “nós pensamos”. A Igreja feita por si mesma tem afinal o sabor do “si mesmos”, que aos outros “si mesmos”, não e nunca agrada e logo revela a sua própria pequenez. Ela se retirou no âmbito do empírico, e assim se dissolveu também como ideal sonhado
A essência da verdadeira reforma
O ativista, aquele que quer construir tudo por si mesmo, e o contrário daquele que admira: o “admirador”. Ele restringe o âmbito da própria razão e perde assim de vista o Mistério. Quanto mais na Igreja se estende o âmbito das coisas por si mesmas e feitas por si mesmas, tanto mais estreita ela se transforma para todos nós.
Nessa grande dimensão, libertadora, não é constituida por aquilo que nós mesmos fazemos, mas daquilo que a todos nós é doado. Aquilo que não provém da nossa vontade e invenção, mas é ao invés um preceder – nos, um vir a nós daquilo que é inimaginável, daquilo que é maior que o nosso coração.
A reforma, aquela que é necessária em todos os tempos, não consiste no fato que nós podemos remodelar – nos sempre de novo a “nossa” Igreja como mais nos agrada, que nós podemos inventá – la, mas no fato que nós jogamos fora sempre novamente as nossas próprias construções de sustentamento, em favor da luz puríssima que vem do alto e que  é ao mesmo tempo transbordamento da pura liberdade.
Deixai – me dizer com uma imagem aquilo que entendo. Uma imagem che encontrei em Michelangelo, o qual retoma nisso de sua parte antigas concepções da mística e da filosofia cristãs. Com o olhar do artista, Michelangelo via já na pedra o que lhe estava à frente uma “imagem modelo” que de forma escondida esperava ser libertada e coloca na luz. A tarefa do artista segundo ele era somente retirar aquilo que ainda recobria a imagem. Michelangelo concebia a autêntica ação artística como um trazer à luz, um colocar em liberdade, não como um “fazer”, produzir.
A mesma idéia aplicada porém em âmbito antrológico, se encontrava já em São Boaventura, o qual explica o caminho através o qual o homem se transforma autenticamente em si mesmo, baseando – se na comparação com o esculpidor de imagens, isto é o escultor. O escultor não faz algo, diz o grande teólogo franciscano. A sua obra é ao invés uma ablatio: esta consiste em eliminar, em retirar aquilo que é inautêntico.
Desta maneira, através da ablatio, emerge a nobilis forma, isto é a figura preciosa. Assim também o homem, afim de que resplenda nele a imagem de Deus, deve sobretudo e antes de tudo acolher esta purificação, através da qual o escultor, ou seja, Deus, o liberta de todas aquelas impurezas que obscurecem o aspecto autêntico de seu ser, fazendo – o aparecer somente como um bloco de pedra bruta, enquanto que inabita nele a forma divina.
Se a entendermos justamente, podemos encontrar também nessa imagem o modelo guia para a reforma eclesial. Certo, a Igreja terá sempre necessidade de novas estruturas humanas de apoio, para poder falar e agir em toda época histórica. Tais instituições eclesiásticas, com as suas configurações jurídicas, longe de ser algo mau, são ao contrário, de certa forma, simplesmente necessárias e indispensáveis.
Mas essas envelhecem se ariscam de se apresentarem como a coisa mais essencial, e assim distorcem o olhar de quanto é verdadeiramente essencial. Por isso essas devem sempre de novo serem jogadas fora, como estruturas tornadas supérfluas. Reforma é sempre novamente uma ablatio: um remover, a fim de que seja visível a nobre forma, o rosto da Esposa e junto com este
Uma semelhante ablatio, uma semelhante “teologia negativa” é uma via em direção à um olhar totalmente positivo. Só assim o Divino penetra, e só assim surge uma congregratio: uma assembleia, uma reunião, uma purificação, aquela comunidade pura que desejamos: uma comunidade cujo um “eu” não está mais contra o outro “eu”, um “si” contra o outro “si”. Ao invés daquele doar –se, daquele confiar – se, que faz parte do amor, transforma o recíproco receber todo o bem e todo o puro. E assim para cada um vale a palavra do Pai generoso, o qual ao filho maior invejoso relembra à memória quanto constitui o conteúdo de toda a liberdade e de toda utopia realizada: “Tudo aquilo que é meu é teu” (Lc 15, 31)
A verdadeira reforma é então uma ablatio, que como tal se torna congretatio. Procuremos tomar de modo um pouco mais concreto esta ideia de fundo. Em uma primeira comparação tínhamos contraposto o ativista e o admirado, e nos expressávamos em favor do último. Mas o que exprime esta contraposição? O ativista aquele que sempre faz, põe a sua própria atividade acima de tudo. Isto limita o seu horizonte ao âmbito praticável, daquilo que se pode tornar objeto de seu fazer. Propriamente falando ele vê somente objetos. Não consegue perceber aquilo que é maior do que ele, pois aquilo colocaria um limite na sua atividade. Ele restringe o mundo àquilo que é empírico. O homem é amputado. O ativista se constrói sozinho uma prisão, contra a qual ele mesmo depois protesta em alta voz.
Ao contrário o autêntico estupor é um “não” à limitação dentro daquilo que é empírico, dentro daquilo que é somente além daqui. Isto prepara o homem ao ato de fé, que ele escancara diante do horizonte do Eterno, do infinito. E somente aquilo que não tem limite é suficientemente amplo para a nossa natureza, somente o ilimitado é adequado à vocação do nosso ser. Onde este horizonte desaparece, todo resíduo de liberdade torna muito pequeno e todas as libertações, que conseqüentemente podem ser propostas, são um insípido substituto, que não jamais é suficiente. A primeira, fundamental ablatio, que é necessária para a Igreja, é sempre novamente ato da mesma fé. Aquele ato de fé que destrói as barreiras do finito e abre assim o espaço para alcançar o ilimitado. 
A fé nos conduz longe, em terras sem limites, como dizem os Salmos. O pensamento científico moderno nos fechou sempre mais nas cadeias do positivismo, condenando – nos assim ao pragmatismo. Por seu mérito se podem chegar a muitas coisas; se pode viajar até sobre a lua e ainda mais longe, na imensidão do cosmo. 
Todavia, apesar disso, se permanece sempre no mesmo ponto, porque a verdadeira e própria fronteira, a fronteira do quantitativo e do fatível, não vem ultrapassada. Alberto Camus descreveu o absurdo desta forma de liberdade na figura do imperador Calígula: tudo está a sua disposição, mas todas as coisas são muitas limitadas. Na sua loucura de ter sempre mais, e coisas sempre maiores, ele grita: Quero ter a lua, dá – me a lua. Mas até que se abra a verdadeira e própria fronteira entre a terra e o céu, entre Deus e o mundo, também a lua é somente um subseqüente pedacinho de terra, e para alcança – la não nos conduz nem a um passo mais próximos à liberdade e à plenitude que desejamos.
A fundamental libertação que a Igreja pode dar é estar no horizonte do Eterno, e sair dos limites do nosso saber e do nosso poder. A mesma fé, em toda a sua grandeza e amplidão, é por isso sempre novamente a reforma essencial de que temos necessidade; a partir dessa temos que sempre de novo colocar à prova aquelas instituições que na Igreja nos mesmos temos feito. Isso significa que a Igreja deve ser a ponte da fé, e que essa – especialmente na sua vida de associação intramundana – não se pode tornar até a si mesma. Hoje é difundida aqui e ali, também nos elevados ambientes eclesiásticos a idéia que uma pessoa seja mais cristã quanto mais seja empenhada nas atividades eclesiásticas. Empurra– se a uma espécie de terapia eclesiástica da atividade, do fazer, a cada um se procura de dar – lhe um partido, ou em todo caso, ao menos alguma tarefa no interno da Igreja
De certa forma, assim se pensa, nos deve sempre útil uma atividade eclesial, se deve falar de Igreja ou se deve fazer algo por esta ou nela. Mas, um espelho que reflete somente si mesmo não é um espelho; uma janela que ao invés de consentir um olhar livre em direção do distante horizonte, se sobrepõe como uma tela entre o observador e o mundo, perdeu seu sentido.
Pode acontecer que alguém exercite ininterruptamente a atividade de associações eclesiásticas e, todavia não seja de fato um cristão. Pode acontecer que alguém viva só simplesmente da Palavra e do Sacramento e pratique o amor que provém da fé, sem nunca ter comparecido nos partidos eclesiásticos, sem jamais ter se ocupado com as novidades da política eclesiástica, sem ter, de fato, participado de sínodos e sem ter votado nestes, e, todavia ele é um verdadeiro cristão. Não é de uma Igreja mais humana que temos necessidade, mas de uma Igreja mais divina; só assim esta será também verdadeiramente humana.
É por tudo isso que é feito pelo homem, no interno da Igreja, deve reconhecer –se no seu puro caráter de serviço e diminuir diante daquilo que é mais conta e daquilo que é mais essencial. A liberdade, que nós esperamos com a razão da Igreja e na Igreja não se realiza pelo fato que nós introduzamos nessa o princípio da maioria. Essa não depende do fato que a maioria mais ampla possível prevaleça sobre a minoria mais exígua possível. Esta depende ao invés pelo fato que ninguém pode impor a sua própria vontade sobre os outros, mas todos se reconheçam ligados à palavra e à vontade do Único, que é nosso Senhor e nossa liberdade.
Na Igreja a atmosfera torna angustiante e sufocante se os portadores do mistério esquecem que o Sacramento não é uma divisão de poder, mas que ao contrário, é expropriação de mim mesmo em favor daquele, na pessoa do qual eu devo falar e agir. Onde há maior responsabilidade corresponde sempre mais a auto – expropriação, ali ninguém é escravo do outro, ali domina o Senhor, e por isso vale o princípio que: “o Senhor é Espírito. Onde, porém há o Espírito do Senhor, ali há liberdade”.
Quantos aparatos nós construímos, sejam mesmo os mais modernos, tanto menos há espaço para o Espírito, tanto menos há espaço para o Senhor, e menos ainda há liberdade. Eu acredito que nos deveríamos, sob este ponto de vista, iniciar na Igreja a todos os níveis um exame de consciência sem reservas. A todos os níveis este exame de consciência deveria ter consequências muito concretas, e levar consigo uma ablatio que permita transparecer um novo e autêntico semblante da Igreja. Este poderia dar de novo a todos nós o sentido da liberdade e do encontrar a própria causa de maneira completamente nova.
Moral perdão e expiação: o centro pessoal da reforma
Olhemos um momento, antes de ir para frente, a quanto até aqui temos colocado em luz. Temos falado de um duplo “tirar”, de um ato de libertação, que é um duplo ato: de purificação e de renovação. A princípio, o discurso tem tocado a fé, que quebra as paredes do finito e liberta o olhar em direção das dimensões do Eterno, é não somente o olhar, mas também a estrada. A fé é de fato não só reconhecer, mas operar; não só uma fratura na parede, mas uma mão que salva, que tira da caverna. Daquilo que temos tirado a consequência, para as Instituições, que a essencial organização da Igreja tem necessidade sempre de novos desenvolvimentos concretos e de concretas configurações não podem tornar – se a coisa essencial. A Igreja realmente não existe para o objetivo de manter –se ocupada como qualquer associação intramundana e de conservar –se na vida dela mesma, mas existe para transformar todos nós em acesso para a vida eterna.
Ora devemos cumprir um seguinte passo, e aplicar tudo isso não mais a nível geral e objetivo qual era até agora, mas no âmbito pessoal. De fato, aqui também, na esfera pessoal, é necessário um “despojamento” que nos liberte. Sobre o plano pessoal não é sempre e sem dúvida a “forma preciosa”, isto é, a imagem de Deus inscrita em nós, a saltar diante dos olhos. Como primeira coisa nos vemos ao invés só a imagem de Adão, a imagem do homem não totalmente destruído, mas sempre caído. Vemos as incrustações de pó e sujeira, que se posaram sobre a imagem. Todos nós temos a necessidade do perdão, que constitui o núcleo de toda e verdadeira reforma. Não é certamente um caso que nas três etapas decisivas da formação da Igreja, narradas pelos Evangelhos, a remissão dos pecados tenha um papel essencial. Há em primeiro lugar a entrega das chaves a Pedro. O poder a ele conferido de ligar e desligar, de abrir e fechar, de que se fala, é, no seu núcleo, tarefa de deixar entrar, de acolher em casa, de perdoar.
A mesma coisa se encontra de novo na última Ceia que inaugura a nova comunidade a partir do corpo de Cristo e no corpo de Cristo. Esta se torna possível pelo fato de que o Senhor derrama seu sangue “por muitos, em remissão dos pecados”. Enfim, o Ressuscitado, na sua primeira aparição aos onze, funda a comunhão da sua paz no fato que Ele doa a eles o poder de perdoar. A Igreja não é uma comunidade de pecadores daqueles que “não têm necessidade do médico”, mas uma comunidade de pecadores convertidos, que vivem da graça do perdão, transmitindo – a aos demais.
Se lermos com atenção o Novo Testamento descobrimos que o perdão não tem em si nada de mágico, isto não é, porém um fazer de conta que se esqueça, não é “um fazer come se não fosse”, mas ao contrário é um processo de mudança totalmente real, que faz o Escultor.
O jogar fora a culpa remove de verdade alguma coisa; a chegada do perdão em nós se mostra com vinda da penitência. O perdão é em tal sentido um processo ativo e passivo: a potente palavra criadora de Deus sobre nós opera a dor da mudança e torna assim ativo transformar – se. Perdão e penitência, graça e própria pessoal conversão não estão em contradição, mas estão ao contrário duas faces do único e mesmo evento. Esta fusão de atividade e passividade exprime a forma essencial da existência humana. De fato todo o nosso criar começa com o ser criado, com a nossa participação na atividade criadora de Deus.
Aqui chegamos à um ponto verdadeiramente central: acredito de fato que o núcleo da crise espiritual de nosso tempo tenha as suas raízes no “obscurar – se” da graça do perdão.
Notamos porém a princípio o aspecto positivo do presente: a dimensão moral começa novamente pouco a pouco ser considerado. Reconhece – se, aliás tornou – se evidente, que todo progresso técnico é discutível e ultimamente destrutivo, se a este não corresponde um crescimento moral.
Reconhece- se que não há reforma do homem e da humanidade sem uma renovação moral. Mas a invocação de moralidade permanece, porém no fim sem energia, pois os parâmetros se escondem em um espesso nevoeiro de discussões. De fato o homem não pode suportar a pura e simples moral, não pode viver dessa: esta torna para ele uma “lei”, que provoca o desejo de contradizer – la e gera o pecado. Por isso onde há o pecado, o verdadeiro perdão cheio de eficácia, não vem reconhecido ou não se crê, a moral deve ser feita de modo tal que as condições do pecador para cada homem não possam jamais propriamente verificar – se. Nas grandes linhas se pode dizer que a atual discussão moral tende a libertar os homens da própria culpa, fazendo que não sejam importantes as condições de sua possibilidade. Vem em mente a cortante frase de Pascal: Eis que os pais tiram os pecados do mundo. Segundo estes “moralistas” não há simplesmente mais alguma culpa.  
Naturalmente, todavia, esta maneira de libertar o mundo da culpa é muito barata. Dentro deles, os homens assim libertos sabem tão bem que tudo isto não é verdadeiro, que existe o pecado, que estes mesmos são pecadores e que deve ter uma maneira efetiva de superar o pecado.
Também o mesmo Jesus não chama de fato àqueles que já se libertaram por si  mesmos e que por isso – como estes pensam – não têm necessidade d’Ele, mas chama ao invés aqueles que se reconhecem pecadores e que por isso têm necessidade d’Ele.
A moral conserva a sua seriedade somente se há o perdão, um perdão real, eficaz, senão este cai na pura e vazia condicional. Mas, o verdadeiro perdão há somente se tem o “preço de compra”, a “equivalente troca”, se primeiro a culpa foi expiada, se existe expiação. A circularidade que existe entre “moral – perdão – expiação” não pode ser dividida. Se falta um elemento cai também todo o resto.
Da indivisa existência deste círculo depende se para o homem há redenção ou não. Na Torá, nos cinco livros de Moisés, estes três elementos são indivisivelmente ligados um ao outro e não é possível, portanto deste centro compacto pertencente ao Cânon do AT dividir – se, de modo iluminista, uma lei moral sempre válida, abandonando todo o resto à história passada. Esta modalidade de moral de atualização do AT termina necessariamente na falência; neste ponto preciso estava o erro de Pelágio, o qual tem hoje muito mais seguidores de quanto não pareça a primeira vista. Jesus ao contrário cumpriu toda a lei, não só à uma parte desta e assim a renovou desde a base. Ele mesmo, que sofreu expiando é também a única segura e sempre válida base de nossa moral.
Não se pode separar a moral da cristologia, pois não se pode separá – la da expiação e do perdão. Em Cristo toda a Lei é cumprida, e assim a moral se torna verdadeira exigência que se pode cumprir voltada a nós. A partir do núcleo da fé se abre assim sempre de novo o caminho da renovação para cada pessoa, para a Igreja no seu todo e para a humanidade.

O sofrimento, o martírio e a alegria da Redenção

Sobre isto teríamos muito a dizer. Procurarei somente, muito brevemente, de indicar como conclusão, ainda àquilo que no nosso contexto me parece como algo importante. O perdão e a sua realização em mim, através da via da penitência e do seguimento, é em primeiro lugar o centro do todo pessoal de toda renovação. Mas, o perdão concerne a pessoa no seu núcleo mais íntimo, este é capaz de fazer a unidade, e também é o centro do renovação da comunidade. Se de fato, são tirados de mim a poeira e a sujeira, que fazem irreconhecível em mim a imagem de Deus, então de tal modo eu torno de verdade semelhante ao outro, o qual é também imagem de Deus, e sobretudo, eu me torno semelhante a Cristo, que é imagem de Deus sem algum limite, o modelo segundo o qual todos nós fomo criados. Paulo exprime este processo com termos muito drásticos: a velha imagem passou, eis que surge uma nova, não sou que vivo, mas Cristo vive em mim. Se trata de um processo de morte e de nascimento. Eu sou arrancado do meu isolamento e sou acolhido em uma nova comunidade – sujeito, o meu “eu” é inserido no “eu” de Cristo e assim é unido ao todos meus irmãos.
Somente a partir desta profunda renovação de cada um nasce a Igreja, nasce a comunidade que une e sustenta na vida e na morte. Somente quando levamos em consideração tudo isto, vemos a Igreja na sua justa ordem de grandeza.
A Igreja: esta não é só um pequeno grupo de ativistas que se encontram juntos em certo lugar para executar a vida comunitária. A Igreja não é tampouco simplesmente o grande grupo daqueles que aos domingos se reúnem para juntos celebrar a Eucaristia. E enfim, a Igreja é também mais que o Papa, os bispos e os padres, daqueles são investidos pelo ministério sacramental. Todos aqueles que nomeamos fazem parte da Igreja, mas o raio da companhia, pelo qual entramos mediante a fé, vai mais além, vai mesmo até além da morte. Desta forma fazem parte todos os Santos, a partir de Abel e de Abraão e de todas as testemunhas da esperança que conta o AT, passando através de Maria, a Mãe do Senhor, e seus Apóstolos, através de Tomás Becket e Tomás Moro, até chegar até Maximiliano Maria Kolbe, Edith Stein, a Piergiorgio Frassati. Desta fazem parte os homens de todos os lugares, e de todos os tempos, cujo coração se dilata esperando e amando a Cristo, “autor e “perfeicionador” da fé”, como o chama a carta ao hebreus.  
Não são maiorias ocasionais que se formam aqui e ali na Igreja que decidem o seu e o nosso caminho. Estes, os santos, são a verdadeira, determinante maioria secundo a qual nós nos orientamos. À esta nós nos temos consideração! Estes traduzem o divino no humano, o eterno no tempo. Estes são os nossos mestres de humanidade, que não nos abandonam mesmo na dor e na solidão, mas ao contrário, na hora da morte caminham ao nosso lado.
Aqui nos tocamos algo muito importante. Uma visão do mundo que não pode dar um sentido mesmo na dor e faze – lo precioso não serve para nada. Esta é falha porque onde aparece a questão decisiva da existência. 
Aqueles que não têm nada para dizer sobre a dor, mas que se deve combate – la, nos enganam. Certamente se necessita fazer de tudo para aliviar a dor de tantos inocentes e para limitar o sofrimento. Mas, uma vida humana sem dor não existe, e quem não é capaz de aceitar a dor se reduz àquelas purificações que somente nos amadurecem. 
Na comunhão com Cristo a dor adquire significado, não só para mim mesmo, como processo de ablatio, no qual Deus tira de mim as sujeiras que obscurecem a sua imagem, mas também isto de mim mesmo é útil para o todo, assim todos nós podemos dizer com São Paulo: “Por isto estou feliz pelos sofrimentos que suporto por vós e completo na minha carne aquilo que falta aos sofrimentos de Cristo, em favor de seu Corpo que é a Igreja. Tomás Becket, que junto com o Admirador e com Einstein nos guiaram na reflexões destes dias, nos encoraja ainda à um último passo. A vida vai além de nosso existência biológica. Onde não há motivo pelo qual vale a pena morrer, ali também a vida não vale mais a pena.
Onde a fé nos abriu o olhar e nos fez grande o coração, eis que aqui se adquire toda a sua força de iluminação também esta outra frase de São Paulo: “Ninguém vive para si mesmo, e ninguém morre para si mesmo, porque se vivemos, vivemos para o Senhor, se morremos, morremos para o Senhor, somos então do Senhor”. Quanto mais nós estamos arraigados na companhia com Jesus Cristo e com todos aqueles que a Ele pertencem, tanto mais a nossa vida será sustentada por aquela irradiante confiança que ainda uma vez São Paulo se expressou: “Disto estou certo: nem a morte, nem a vida, nem os anjos, as potestades, nem o presente, nem o futuro, nem as potências, nem a altura, nem profundidade, nem alguma outra criatura poderá jamais separar – nos do amor de Deus, que é em Cristo Jesus nosso Senhor. Caros amigos, nós devemos, por meio de semelhante fé, nos deixar preencher! 
Logo, a Igreja cresce como comunhão no caminho em direção e dentro da verdadeira vida, e, portanto esta se renova dia após dia. Assim esta se transforma em grande casa com tantas moradas; logo a multiplicidade dos dons do Espírito Santo pode operar nela. Assim nós veremos “como é bom e belo que irmãos vivam juntos... É como a brisa do Hermon, que desce sobre o monte de Sião; ali o Senhor dá a benção e a vida para sempre”. (Sal 133, 1- 3)

Obrigado!

Nenhum comentário:

Postar um comentário