Os
cristãos reconhecem, desde sempre, a existência de um ser maligno – ou vários
seres malignos – de natureza angélica, cuja atuação se dirige a afastar o homem
de Deus, submetendo-o às forças do mal, por meio da tentação. De fato, Cristo
se fez homem e morreu na cruz para libertar o homem desse estado de sofrimento
em que se encontrava devido ao pecado original. A existência do demônio faz
parte, portanto, da verdade revelada.
No entanto, a crença cristã é muito diferente da de
outras religiões: não existe um “deus do mal”, oposto ao Deus do bem. Ao
contrário, segundo a teologia católica de São Tomás de Aquino, o mal não existe
em si mesmo, mas como ausência de bem, como rejeição do amor de Deus. Segundo a
doutrina cristã, o demônio pode incitar o homem ao mal, mas não pode tirar sua
liberdade; não tem poder sobre a sua alma se o homem não lhe conceder isso.
O demônio é um anjo criado por Deus – na tradição cristã,
recebe os nomes de Satanás ou Lúcifer – que usou a sua liberdade para opor-se
ao amor divino. Deus permite a sua existência e a sua rebeldia, mas o demônio
está submetido ao seu Criador, como as demais potências angélicas. Esta é uma
das razões pelas quais a teologia cristã não se preocupou muito com o demônio
em si, mas com como Cristo conseguiu a vitória sobre ele e como combater o seu
poder na vida cristã.
O
Antigo Testamento considera os anjos e os demônios como criaturas de Deus,
Criador de tudo o que é visível e invisível. Mas os textos que falam de Satanás
no Antigo Testamento são muito raros. É depois do exílio da Babilônia que se
nota uma evolução: o mal entre os homens vem de Satanás (“satan”, em hebraico,
significa “adversário”), devido ao pecado de Adão (Gn 3), quando, “pela inveja
da serpente, a morte entrou no mundo” (Sb 2, 24). Satanás é o tentador, o
acusador, o adversário de Deus (Zc 3, 1-7, Jó 1, 11). Quase dois séculos antes
de Cristo, a comunidade monástica de Qumram, às margens do Mar Morto, elaborou
uma demonologia estruturada.
Mas é nos quatro Evangelhos que a presença de Satanás
adquire uma densidade particular: é um adversário real, inimigo de Cristo e do
seu Reino. Jesus se dirige a Satanás, sem dúvida alguma, para repreendê-lo e
fala dele como de “alguém”. São conhecidas as passagens das tentações no
deserto (Mt 4, 1-11) e dos numerosos exorcismos que Jesus realizou (Cafarnaum:
Mc 1, 23-28; Gerasa: Mt 8, 28-34; a filha da cananeia: Mc 7, 25-29 – entre
outros). Os escritos apostólicos e o Apocalipse recolhem esta vitória de
Cristo, que se consumará no final dos tempos.
O Magistério e a Tradição da Igreja, tanto no ensinamento
como na liturgia, abordaram sempre esta verdade. O Catecismo da Igreja Católica
fala do demônio cerca de 40 vezes. Também a vida de muitos santos, que tiveram
experiência direta de luta contra o demônio, constitui um testemunho sobre a
sua existência.
Por que
Deus, se é bom, todo-poderoso e detesta o mal, permite que os demônios ajam e
tenham poder sobre o homem? É um grande mistério, o “mysterium iniquitatis”.
Deus criou o homem – e os anjos – por amor e deseja que o homem o ame em troca.
Mas não existe amor sem liberdade, razão pela qual Deus dá espaço ao homem para
que este escolha amá-lo. Só Deus possui uma liberdade perfeita, incapaz de
escolher o mal. O homem e os anjos podem rejeitar esse amor.
Por que Deus não destruiu os anjos caídos? Há duas
razões: a primeira é que Deus respeita essa liberdade que Ele mesmo oferece; a
segunda é que, de alguma maneira, Deus se serve também deles para realizar seus
desígnios. Santo Agostinho afirma que Deus não permitiria o mal se não fosse
para tirar dele um bem maior. De fato, é o que acontece com a história da
redenção, na qual o mal é finalmente vencido pelo bem. Deus redimiu o mundo do
pecado, mas sem deixar de respeitar a liberdade do homem, que pode acolher ou
rejeitar esta redenção.
Os cristãos acreditam que a vitória definitiva do bem e a
destruição definitiva do mal se darão no final dos tempos. Enquanto isso, o
tempo em que vivemos se caracteriza por esta luta entre o bem e o mal. A vida
dos santos testemunha esta luta, às vezes face a face, com os demônios.
O
demônio age de forma cotidiana na vida de cada pessoa, mediante a tentação e a
sedução, para incliná-la a cometer o mal. Esta ação pode ser combatida mediante
a oração e a prática das virtudes, com o auxílio dos sacramentos. A Igreja
afirma que o homem não está condicionado absolutamente pela tendência ao mal,
mas que pode combatê-lo com a ajuda da graça.
O demônio também pode se manifestar de forma
extraordinária, mediante a possessão, a infestação, o assédio, a obsessão etc.
Trata-se de fenômenos muito raros, nos quais Satanás chega a possuir o corpo –
não a alma – de uma pessoa. A Igreja combate este fenômeno por meio do ritual
do exorcismo, realizado por sacerdotes designados especificamente para isso por
seu bispo.
No entanto, são poucos os casos de verdadeira possessão.
Antes da prática do exorcismo, são realizados todos os tipos de exames médicos
e psiquiátricos, para descartar a possibilidade de distúrbios psicológicos.
Muitas das pessoas que sofrem de possessão diabólica realizaram práticas
nigromânticas ou satânicas. Muito excepcionalmente, alguns santos experimentaram
esta dura provação.
Há cada
vez mais adolescentes afetados pelo fenômeno do satanismo, que se tornou uma
“moda” transgressora. O Pe. Benoît Domergue, especialista nestes fenômenos,
afirma que atualmente, na França, existem aproximadamente 50 associações, que
agrupam cerca de 5 mil indivíduos. O satanismo é tão preocupante, que as
autoridades francesas se envolveram. Em 2006, a (Mission interministérielle
de vigilance et de lutte contre les dérives sectaires) publicou um pequeno
relatório sobre o satanismo, no qual alertava sobre este tipo de grupos.
Na Espanha, segundo um relatório elaborado em 2010 pela Red Iberoamericana para el Estudio
de las Sectas(RIES), o número das seitas satânicas no país aumentou na
última década, passando de 41, em 2001, a 61, em 2010. Estes grupos estariam
relacionados a episódios de profanações e roubos sacrílegos em igrejas. Certos
tipos de música metal (black metal, death metal, neometal) também constituem
uma porta de entrada privilegiada para o satanismo. Este universo se torna
ainda mais nebuloso por ser formado por muitos pequenos grupos, inexistentes do
ponto de vista jurídico ou associativo.
Em países como a Colômbia, segundo denunciam alguns
especialistas, o satanismo se vincula ao tráfico de drogas, como uma prática
para “garantir” o êxito dessa atividade criminal, e também como forma de
submetimento social. Outro caminho para a prática do satanismo é a bruxaria e a
necromancia. Além do satanismo, existe outro tipo de seitas, chamadas
“luciferinas”, que, sem chegar ao extremos do satanismo, promovem uma
reinterpretação da queda do homem, invertendo os termos: Deus é o ser mau e
Satanás e o ser bom que se rebela contra Ele.
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